terça-feira, 31 de maio de 2011

Onde começa um mundo, onde acaba o outro?


Confesso a todos minha mais absoluta ignorância sobre os limites ilimitados deste nosso mundo. O que é o mundo, afinal? Se a gente tomar um avião e voar infinitamente a gente sai desse mundo? Quando há um terremoto como o que houve no Japão, aquelas placas que balançam são o limite deste nosso mundo? Não sei bem, não entendo muuito, mas acho danado de bom continuar assim, sem entender. A propósito disso, a Nasa divulgou hoje esta foto fantástica, que mostra onde termina a atmosfera e começa o tal chamado espaço sideral. Esquisito, ilimitado, infinito, como todos pensamos que somos, às vezes.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Três mil palavras




Três imagens, entre tantas milhares que estão à nossa disposição no site da World Press Photo - http://www.worldpressphoto.org/ Estas três sempre me chamaram muito a atenção, especialmente a do meio, feita por um fotógrafo francês em um dos campos de prisioneiros do Afeganistão. Uma síntese da imagem que vale milhões de palavras, por sua simbologia terrível de impessoalidade, por sua crueza de expor o rompimento de um relacionamento aparente de pai e filho. Um exemplo, junto com os outros, do sem-limites que carregamos na nossa alma.


Entre duas paledes...

Reprodução/Daily Mail

Este é um chinesinho de 5 anos que estava brincando de pique-esconde (na China, a brincadeira chama-se xixcondpick), quando entrou em uma fresta de 15 centímetros entre duas paredes e não conseguiu mais sair. Fez esta carinha e este biquinho universalmente apaixonantes e foi salvo pelos bombeiros, que abriram um buraco para resgatá-lo. Ao sair, comentou: "palede muto estleita, né?"

Oba! Escândalo novo na praça

Dois, na verdade. Nacionalmente, o ministro Palocci cai de novo na boca do povo por causa de uma denúncia da Folha sobre a evolução da sua riqueza patrimonial. Pra quê? De domingo pra cá, o roteiro é o mesmo de sempre: políticos da situação defendendo, políticos da oposição defenestrando o indigitado, leitores de jornal e de blogs detonando o que podem e o que nem sabiam que podiam. Localmente, acaba de sair a desaprovação das contas do ex-governador de Goiás pelo Tribunal de Contas do Estado, o que não é pouca coisa, mas que sempre deixa a cheirar mal, já que o atual governador é adversário figadal do ex, não obstante o ex ter sido fruto político do atual. Estranho? Estranho. Mas é assim que a classe política e a mídia vão conseguindo, de mãos dadas, vulgarizar qualquer resquício de honestidade.

Tá rindo de quê, desesperado?

Nesta quarta o colunista Marcelo Coelho, da Folha, escreveu o que eu deveria ter escrito (ou dito) quando me perguntaram outro dia sobre assistir ou não o CQC, programa da televisão. Bom, excelente programa, mas que vem pecando pelo excesso de uso do humor fácil, gratuito, típico jogo pra torcida. A medir pelo que o colunista descreve, há algo ainda pior, protagonizado por um dos piores rapazes do programa, Danilo Gentili, em suas tuitadas ou em uma de suas performances teatrais de stand-up. Leia e veja do que nos livramos até agora. E digam se não lembra aquele verso de uma música do Frejat que fala algo como "rir de tudo é desespero". Ah, o título da coluna do Marcelo Coelho é Politicamente fascista:


O comediante Danilo Gentili pediu desculpas pela piada antissemita que divulgou no Twitter. A saber, a de que os velhos de Higienópolis temem o metrô no bairro porque "a última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz".
Aceitar suas desculpas pode ser fácil ou difícil, conforme a disposição de cada um. O difícil é imaginar que, com isso, ele venha a dizer menos cretinices no futuro.
Não aguentei mais do que alguns minutos do programa "CQC", na TV Bandeirantes, do qual é ele uma das estrelas mais festejadas. Mas há um vídeo no YouTube, reproduzindo uma apresentação em Brasília do seu show "Politicamente Incorreto", em outubro de 2010.
Dá para desculpar muita coisa, mas não a falta de graça. O nome oficial do Palácio do Planalto é Palácio dos Despachos, diz ele. "Deve ser por isso que tem tanto encosto lá." Quem o construiu foi Oscar Niemeyer, continua o humorista. E construiu muitas outras coisas, como as pirâmides do Egito.
A plateia tenta rir, mas só fica feliz mesmo quando ouve que Lula é cachaceiro, ou que (rá, rá) o nome real de Sarney é Ribamar. Prossegue citando os políticos que Sarney apoiou; encerra a lista dizendo que ele só não apoiou o próprio câncer porque "o câncer era benigno".
Os aplausos e risadas, pode-se acreditar, vêm menos da qualidade das piadas e mais da vontade de manifestação política do público. Detestam-se, com razão, os abusos dos congressistas brasileiros. Só por isso, imagino, alguém ri quando Gentili diz preferir que a capital do país ficasse no Rio: "Lá pelo menos tem bala perdida para acertar deputado".
Melhor parar antes que eu fique sem respiração de tanto rir. Como se vê, em todo caso, o título do show não é bem o que parece. "Politicamente incorreto", no caso, faz referência às coisas erradas feitas pelos políticos, mais do que ao que há de chocante em piadas sobre negros ou homossexuais.
A questão é que o rótulo vende. Ser "politicamente incorreto", no Brasil de hoje, é motivo de orgulho. Todo pateta com pretensões à originalidade e à ironia toma a iniciativa de se dizer "incorreto" -e com isso se vê autorizado a abrir seu destampatório contra as mulheres, os gays, os negros, os índios e quem mais ele conseguir.
Não nego que o "politicamente correto", em suas versões mais extremadas, seja uma interdição ao pensamento, uma polícia ideológica.
Mas o "politicamente incorreto", em sua suposta heresia, na maior parte das vezes não passa de banalidade e estupidez.
Reproduz preconceitos antiquíssimos como se fossem novidades cintilantes. "Mulheres são burras!" "Ser contra a guerra é viadagem!" "Polícia tem de dar porrada!" "Bolsa Família serve para engordar vagabundo!" "Nordestino é atrasado!" "Criança só endireita no couro!"
Diz ou escreve tudo isso, e não disfarça um sorrisinho: "Viram como sou inteligente?".
"Como sou verdadeiro?" "Como sou corajoso?" "Como sou trágico?" "Como sou politicamente incorreto?"
O problema é que "politicamente incorreto", na verdade, é um rótulo enganoso. Quem diz essas coisas não é, para falar com todas as letras, "politicamente incorreto". Quem diz essas coisas é politicamente fascista.
Só que a palavra "fascista", hoje em dia, virou um termo... politicamente incorreto. Chegamos a um paradoxo, a uma contradição.
O rótulo "politicamente incorreto" acaba sendo uma forma eufemística, bem-educada e aceitável (isto é, "politicamente correta") de se dizer reacionário, direitista, fascistoide.
A babaquice, claro, não é monopólio da direita nem da esquerda. Foi a partir de uma perspectiva "de esquerda" que Danilo Gentili resolveu criticar "os velhos de Higienópolis" que não querem metrô perto de casa.
Uma ou outra manifestação de preconceito contra "gente diferenciada", destacada no jornal, alimentou a fantasia mais cara à elite brasileira: a de que "elite" são os outros, não nós mesmos. Para limpar a própria imagem, nada melhor do que culpar nossos vizinhos.
Os vizinhos judeus, por exemplo. É este um dos mecanismos, e não o vagão de um metrô, que ajudam a levar até Auschwitz. 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Pondé vê a burca (e o preconceito de cada um de nós)

Esperava que o Luiz Fernando Pondé tratasse hoje da aprovação dos casamentos gays e o comportamento tipicamente burguês de quem assiste a tudo com um ar de modernidade inquestionável. Não foi hoje, mas mesmo assim ele fala sobre caso parecido. Tá na Folha de hoje, e o título bem apropriado é Fetiche intelectual:


Há duas semanas ("A burca", Ilustrada, 25/4), eu disse que era a favor da lei francesa contra a burca (que muita gente confunde com o véu, que não é proibido na França). Aliás, com aquele véu, a mulher mulçumana parece uma Afrodite em versão corânica. Uma deusa de sensualidade. Andam pelas ruas juntas, como um vento que varre nossos olhos com seus olhos.
São a prova viva de que a invisibilidade da forma do corpo (ou a visibilidade apenas pressentida) é muito mais sensual do que a obscena explicitação da forma.
Um mar de e-mails e protestos contra a minha "intolerância com o outro". Obrigado.
Mas adianto: de todos os argumentos dos tranquilos defensores do "direito à burca" (acho a expressão engraçada por si só), um me parece o mais absurdo. Já vou dizer qual é.
Digo àqueles que discursam a favor da burca desde seus apartamentos com TV a cabo, de seus cursos de história da arte, de seus direitos de ir e vir e praticar sexo sadomasô, se assim o quiser, enfim, da condição de adorar Elvis, ETs, o nada, a mãe-natureza (pra mim está mais pra madrasta) ou seu próprio e pequeno "eu", que não acredito que nenhuma mulher use uma burca porque "quer".
O argumento mais absurdo é "as mulheres usam a burca porque querem". Não acredito nesse papinho multiculturalista.
O argumento "fulana nasceu na cultura X, a cultura X implica Y, logo fulana quer Y" é um sofisma barato. Quer ver?
Acho que um desses assinantes de TV a cabo, defensores do "direito à burca" provavelmente defenderia hoje o direito a "ser escravo" na medida em que "alguém foi acostumado pela cultura a isso". Será?
Que tal a "lapidação" (corte ritual do clitóris) que alguns praticam por aí? Também algo que devemos "achar objeto do direito da cultura". Azar de quem nasceu num lugar desses?
O debate contemporâneo é como uma guerra de trincheiras. Ninguém consegue ver muito longe, não existe mais nenhuma teoria grandiosa e definitiva, mas nem por isso é menos sangrento e sério. De minha parte, não tenho dúvida de qual lado da trincheira estou: daquele contra o fundamentalismo religioso seja qual ele for.
E fundamentalismo não é a mesma coisa que terrorismo islâmico (que alguns dizem que está acabando...). Muitas vezes o fundamentalismo é silencioso e invisível em seus modos de tortura. Fundamentalismo religioso é uma forma de reação aos "costumes modernos".
Nos dias seguintes a esse meu texto sobre a burca, uma mulher me abordou contando o seguinte.
Em férias num país de maioria mulçumana, ela vira lado a lado uma alemã de férias com um shortinho desses de parar o trânsito e uma mulher com uma dessas burcas de mau gosto (o "de mau gosto" é por minha conta, ou melhor, minha culpa, minha máxima culpa).
Isso seria índice de como as "culturas" são diferentes. Uso as aspas aqui para a palavra "culturas" porque "cultura" virou um segundo grande fetiche da burguesia (o primeiro, segundo Theodor Adorno, seria a ciência). A inteligência burguesa blasé gosta de citar a "cultura" como prova de sua "generosa aceitação do outro" e de ausência de preconceitos. Quem diz que não tem preconceito é mentiroso.
A questão, caros defensores do "direito à burca", é que, no mundo do fundamentalismo religioso (e tem gente que acha que não existe fundamentalismo religioso...), a menina alemã não teria o direito de usar seu shortinho que para o transito. Ela também teria que usar a burca (claro, mas ela aceitaria porque afinal, a "cultura" a faria aceitar, ou a sua filha, no futuro).
A burca é o fundamentalismo religioso. Só cego não vê isso. Os talibãs (essa gente democrática, doce e respeitadora do "outro") adoravam as burcas e, de certa forma, a "inventaram".
Mas esses relativistas assinantes de TV a cabo, na realidade, são como gente de 18 anos que diz para o professor "cada um é cada um" a fim de que ele pare de encher o saco com perguntas difíceis.
No fundo, o segredo de dizer "é a cultura dela", ou "cada um tem um ponto de vista", é soar chique. É posar de estar em dia com o "respeito ao outro". Puro fetiche.