terça-feira, 30 de agosto de 2011

Pra frente, Brasil, com suas historinhas...

Sempre me encantei demasiado pelos contadores de história. Desde menino, de quando se torce o pepino, que me ficam na memória afetiva (ou no HD interno, como é de bom alvitre, como dizem os antigos) aqueles casos relatados por avós, tios e o que mais aparecesse pela frente, principalmente em Poço Fundo, com disposição para levar-nos a mim e minhas irmãs, primos e tal a um mundo de fantasia e imaginação. Foi por isso que hoje, lendo na Folha este textinho do Cony, me ocorreu de contar eu esta pequenina historinha. A do Cony chama-se Pra frente, Brasil!, e o grande barato é o seu desfecho, quando o cronista e escritor saca de uma cena absolutamente banal o mote para o caso que acabou de contar. Como me ajudou a Adriana em sala, exemplo típico dos chamados fait-divers, fonte de tantas e tantas, desde as mil e uma noites das Arábias. Leia e viaje.


Semana passada, contei neste canto que fui abordado por um sujeito na calçada da Academia Brasileira de Letras que me perguntou por que eu não fazia nada contra a corrupção reinante. Ele me olhou escandalizado e deduzi que, na opinião dele, o Brasil não ia pra frente por causa de tipos como eu.
O episódio teve um antecedente que considero histórico. Coisa de 10, 15 anos, estava num elevador lotadíssimo. Fazia calor e acredito que todos estávamos de péssimo humor, pois o carro ia parando em todos os andares e cada vez entrava mais gente.
Num deles, um sujeito magro, vagamente parecido com o Ferreira Gullar, só que mais penteado, apertou o botão e olhou para dentro. Viu que não cabia nem mesmo uma pessoa magra como o poeta, mas não tirou a mão do botão, continuou prendendo a porta.
Olhou, olhou, avaliou, fez que ia entrar, mas hesitou, por duas vezes quase chegou a entrar, mas o bom-senso o fez recuar.
Em silêncio e má vontade, todos esperamos que ele, afinal, se decidisse. Finalmente, desistiu e tirou a mão do botão que prendia o carro. Perdemos na operação cerca de meio minuto.
Fechada a porta, a parcela da humanidade ali reunida pelo acaso teve um suspiro de alívio, mas logo uma voz lá de trás se fez ouvir: "É por causa de caras assim que o Brasil não vai pra frente!"
Nunca, em tempo algum, o silêncio foi tão consensual. Embora estranhos entre si, sem nunca nos termos visto antes ou depois, todos concordamos com aquela constatação unânime.
Pouquíssimas vezes nos fastos humanos uma verdade foi tão verdadeira. Ampliada ao seu limite, seria o fim de todas as desavenças humanas, não haveria guerras, crimes, todos seríamos irmãos, o reino de Deus, afinal, instalado na terra e no elevador.

sábado, 13 de agosto de 2011

Otto: nunca demais

Este texto foi publicado originalmente na Folha de São Paulo do dia 1 de maio de 1991, data em que o jornalista e escritor mineiro Otto Lara Resende retomava sua coluna, agora na página 2, sob o tradicional titulinho Rio de Janeiro. Sua primeira coluna desta nova fase, portanto, foi publicada justo no dia de seu aniversário, e depois acabou tornando-se título de uma coletânea de suas crônicas - Bom dia para nascer. É um baita exemplo de desenvolvimento de um texto com cadência e ritmo moldados simples e tão somente pela pontuação. Dá gosto ver como é fácil, depois de ter sido tão difícil. Olha ele aí:

Eu não tinha a intenção de dizer logo assim de saída. Mas, já que a Folha me entregou, confesso que sou mesmo antigo. Modelo 1922. O do Centenário da Independência, da Semana de Arte Moderna, do Tenentismo, da fundação do Partido Comunista, da inauguração do radio etc. Suspeito que só eu e o rádio estamos funcionando neste mundo povoado de jovens. Mas juventude tem cura. Eu também já fui jovem. É só esperar.Bem mais antiga é a origem do Dia do Trabalho. Começou em 1886, com a greve de Chicago. A polícia, claro, compareceu. Resultado: onze mortos – quatro operários e sete policiais. Primeiro e último escore a favor do trabalho. Três anos depois, em 1889, lembrando Chicago, os socialistas de Paris inventaram o Dia do Trabalho.A data chegou depressa ao Brasil, mais subversiva do que festiva: em 1893. A recente Republica baixou o pau. Vem de longe o axioma: a questão social é uma questão de polícia. Só em 1938 surgiu aqui, oficial, o Dia do Trabalho. Também dia do pelego e do culto à personalidade do ditador. Em 1949, finalmente, a data virou lei. Lei e feriado.Mês de Maria, mês das noivas, mês de flor-de-maio, maio sugere pureza e céu azul. “Só para meu amor é sempre maio” – cantou o primeiro poeta, Camões. Um dos últimos, Drummond, escreveu uma “Carta aos nascidos em maio”. Viu neles uma predestinação lírica, a que chamou o princípio de maio.Em maio, e no dia primeiro, nasceram José de Alencar (1829) e Afonso Arinos (1868). Dois escritores, dois verdes. O indianista e o sertanista. Ambos enfática e ecologicamente brasileiros. Não será mera coincidência a data de certidão de nascimento do Brasil. A carta de Pero Vaz de Caminha é de primeiro de maio de 1500. Como o Brasil também é Touro, está difícil de pegá-lo à unha. Mais poeta que escrivão, Caminha foi o primeiro ufanista. Também pudera: em 1500 tudo ainda estava por ser destruído.Só depois chegaram a inflação, a corrupção e a dívida externa. Há dez anos, em 1981, para celebrar o Dia do Trabalho, houve a explosão do Riocentro. Planejada em segredo, ao contrário da explosão de ontem em São Paulo, vem agora a furo a farsa do inquérito militar. Dá até vergonha de ser brasileiro. Maio, porém, está aí. Primeiro de maio: bom dia para começar. Ou recomeçar.