segunda-feira, 17 de maio de 2010

Vá ser inferior assim lá no Irã

Vergonha. Se não for isso é próximo do que eu sinto por reconhecer que tivemos - que eu me lembre - de esperar 510 anos para que um sujeito sem instrução, escorado apenas em sua experiência de vida, viesse nos dar o exemplo de que podemos ser mais do que nos forçam a pensar que somos há tanto tempo. Ainda assim, felizmente, a grandissíssima maioria dos nossos grandissíssimos especialistas em dar voltas a qualquer tema que se apresente sem o menor senso prático possível continua sua luta emocionante por nos fazer entender que de fato sempre fomos, somos e seremos inferiores.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Olha, deixe eu dizer o que eu penso...

A psicóloga Rosely Sayão publicou este texto na Folha de 9 de julho de 2009, justo a data do meu aniversário, e só outro dia eu pude ter acesso a ele. Como de hábito, ela trata de questões relacionadas a crianças e adolescentes, mas neste caso não há nada a acrescentar para que caiba também a adultos. Apropriadamente, o texto tem o título Falta de civilidade. É ou não é o que temos vivido nestes nossos novos tempos moderninhos?


Sofremos de um mal na atualidade: a incivilidade. A toda hora, somos obrigados a testemunhar cenas de grosseria entre as pessoas, de falta de respeito pelo espaço que usamos e de absoluta carência de cortesia nas relações interpessoais. Os adultos perderam a vergonha de ofender publicamente e em alto e bom som, de transgredir as normas da vida comum por quaisquer razões. Parece mesmo que nossa vida segue um lema: cada um por si e, ao mesmo tempo, contra todos.

Por isso, perdemos totalmente a sensibilidade pelo direito do outro: cada um de nós procura, desesperadamente, seus direitos, sua felicidade, seu poder de consumo, seu prazer, sem reconhecer o outro. E, claro, isso gera intolerância, discriminação, ameaça. O pacto social parece ter sido rompido e não tomamos nenhuma medida para reverter esse processo. As mídias, por exemplo, comentam cenas de incivilidade ocorrida entre pessoas que ocupam posição de destaque.

Virou moda e ganhou visibilidade dizer tudo o que se pensa, agredir para se defender, fazer pouco do outro. Pessoas que ocupam cargos de chefia expressam seu descontentamento com seus funcionários aos berros e assim por diante.

Ao mesmo tempo, crescem entre os mais novos problemas como falta de limites, indisciplina e falta de respeito pelo outro. O fenômeno conhecido por "bullying" -intimidação física ou psicológica- assusta crianças e adolescentes e preocupa pais e professores. Nas escolas do mundo todo, o clima é de "falta de respeito"generalizado, mesmo que essa expressão seja usada de modo impreciso.

Mas o fato é que as crianças e os adolescentes praticam o conceito de cidadania do qual se apropriaram pela observação do mundo adulto. Em uma conversa com crianças que frequentam o ensino fundamental, ouvi relatos que me deixaram muito pensativa.

Um garoto disse que achava que os alunos maiores intimidavam os menores porque a escola e os pais ensinam que se deve respeitar os mais velhos. Veja você: o conceito de mais velho deixou de significar adulto ou velho e passou a ser usado como de mais idade. Assim, revelou o garoto, uma criança de um ou dois anos a mais que a outra se considera um "mais velho" e, assim, pode explorar os de menos idade.

Podemos ampliar esse conceito apreendido pelas crianças e, além da idade, pensar em poder, por exemplo. Isso nos faz pensar que o "bullying" ocorre principalmente, mas não apenas, porque crianças e adolescentes desenvolvem relações assimétricas entre eles, por causa da idade, do tamanho, da força e do poder.

Talvez seja em casa e na escola que pais e professores possam e devam repensar e reinventar o conceito de cidadania.Mas também temos nós, os adultos, o dever de adotar boas maneiras na convivência social. Afinal, praticar boas maneiras e ensinar aos mais novos o mesmo nada mais é do que reconhecer o outro e buscar formas de boa convivência com ele. Disso depende a sobrevivência da vida social porque somos todos interdependentes.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Dunga, papai

Acaba de sair a relação dos filhos do Dunga, também conhecida como seleção. Neste instante, papai dá uma longa entrevista em que repete milhões de vezes uma espécie de neologismo - "com nóis" - para sempre se corrigir mais à frente - "conosco... para não dizerem que não sei falar portuguêis". Modéstia dele: papai pode tudo.

Dá cá a minha bolsa

Não deixa de ser curiosa a situação que vive o mundo, a mesmo tempo parecendo um cassino e uma locomotiva a ritmo de bala. A cada dia, manhã cá, noite onde quer que seja, o que se tem é tamanho frisson, tamanha excitação sobre índices de bolsas, custo de eurodólares ou outro bezerro de ouro a quem devemos todos reverenciar ajoelhados sobre milho transgênico, previsões sobre catedrais capitalistas que vão se estatizando, uma hora os sacrossantos Estados da América, todos unidos contra o resto do mundo desunido, agora a Grécia, para breve Portugal, Espanha, Irlanda, Itália. E a locomotiva? Talvez aquela luz no fim do túnel. Mas vindo em sentido contrário?

De hora em hora, Deus piora

Talvez soe repetitivo, mas os textos do Cony são sempre magníficos. Como este, de domingo também, na Folha, sob o título Tempos Modernos, mas que poderia ser composto pela última frase que ele usa, e que eu tomo por meu título:

No programa "Liberdade de Expressão", que mantemos diariamente na CBN Heródoto Barbeiro, Arthur Xexéo, Viviane Mosé e eu, temos uma pauta bem variada. E dia desses comentávamos a bolação de um industrial, que mandou instalar, nos banheiros de suas fábricas, um circuito interno de TV para fiscalizar quantas vezes seus funcionários vão até lá, o que fazem e quanto tempo demoram ali. Na minha vez de falar, lembrei que em 1936, há mais de 70 anos, portanto, Chaplin fez um de seus filmes mais importantes, "Tempos Modernos". Após meses desempregado, Carlitos é operário de uma fábrica, onde passa oito horas diárias apertando parafusos que correm numa esteira de produção. A longo prazo, ele terminará numa clínica para loucos.Para aliviar o estresse, logo no primeiro dia, vai ao banheiro lavar o rosto. Na parede principal do lavabo, surge um telão com a cara do dono da fábrica perguntando o que ele está fazendo ali, por que não está no seu posto de trabalho. Carlitos dá as desculpas que pode, mas o dono ordena que ele regresse imediatamente aos parafusos e comunica que o tempo gasto no banheiro será descontado de seu salário. Quando Chaplin fez o filme, a tecnologia da época estava longe de permitir que um "Big Brother" qualquer invadisse a privacidade de quem quer que seja num banheiro ou em qualquer outro lugar de sua vida pessoal. Hoje é cada vez mais possível essa vigilância "full time" em cima dos cidadãos, de todos nós. Certamente, aqui e no resto do mundo, serão instalados equipamentos como os previstos por Chaplin, o que há 70 anos era apenas uma piada e que hoje ameaça um tipo de opressão que se tornará mais geral e mais anti-humana. De hora em hora, Deus piora.

O que não será possível com a educação?

Texto absurdamente fantástico que saiu na coluna do Gilberto Dimenstein, na Folha de domingo passado. Não dá pra não ler. Chama-se Novos pobres estão moldando as eleições?

Na cidade de São Paulo, 65% dos habitantes com mais de 16 anos têm, no mínimo, o diploma de ensino médio; no país inteiro, 55% deles vivem a mesma situação. Esses dados, que fazem parte da base com que o Datafolha elabora, neste ano, a amostragem de suas pesquisas eleitorais, ajudam a entender, pelo menos em parte, por que os eleitores, especialmente os mais pobres, estão mais exigentes ao "comprar" produtos e candidatos. Os três principais candidatos à Presidência, Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva, parecem encaixar-se no perfil de um eleitorado com maior escolaridade. Pelo menos até agora, eles demonstram um discurso com fortes toques de racionalidade, sem apelos messiânicos. Foi o que se viu no encontro que tiveram na semana passada, em Minas Gerais, onde participaram de um debate. Em São Paulo, os dois principais candidatos, Geraldo Alckmin e Aloizio Mercadante, também têm esse perfil mais técnico. Seria apenas coincidência?

Ainda estamos começando a descobrir como essa combinação de aumento de renda com evolução da escolaridade e aprendizado da democracia vem mudando a cabeça do brasileiro. Não param de aparecer surpresas. Um grupo de grandes empresas, entre as quais a Unilever e a PepsiCo, patrocinou um estudo sobre como o brasileiro percebe sua condição social. Mais da metade dos mais pobres (pertencentes às classes D e E) não se vê como pobre. Imagina-se pertencente à classe média baixa. Quanto maior a escolaridade, menor a percepção da pessoa de que faz parte do grupo mais pobre. Até porque parte desse grupo incorporou em sua vida símbolos do que se imagina como riqueza: um carro, por exemplo, ou um filho entrando na faculdade, mesmo que graças a alguma ajuda pública ou por causa de mensalidades baratas. O que mais cresce, no Brasil, são cursos a distância: não são poucos os alunos que fazem as aulas da LAN house mais próxima de suas casas. Há relatos de problemas nas universidades porque alunos mais velhos, casados e com filhos, não toleram a dispersão e a bagunça dos colegas mais jovens, interessados nas baladas e sem saber direito o que querem da vida.

Suspeito até que esteja aí um dos segredos do prestígio de Lula. Contrariando a expectativa do senso comum, como detectou o Datafolha, a área mais bem avaliada do governo dele não são os programas de distribuição de renda (Bolsa Família). Está na frente (ligeiramente, mas na frente) a educação, sem o governo gerir escolas. Minha suspeita é que o ProUni tenha uma enorme carga simbólica na vida desses milhões de brasileiros que olham o ensino superior como uma espécie de porta da esperança. Na semana passada, o governo federal apresentou um crédito educativo ainda mais facilitado. Para quem se dispuser a dar aulas em escola pública, a dívida será encerrada. Misturam-se desde promessas de expansão técnica até a universalização da banda larga. Colhi pesquisas que indicam que, entre os mais pobres, banda larga é sinônimo de mais informação, e mais informação é sinônimo de chance de emprego.

Na semana passada, foram divulgados os mais recentes dados sobre a taxa de natalidade em São Paulo. O que se vê é uma situação inimaginável até pouco tempo atrás: em breve, a população da capital vai encolher em termos absolutos. Quanto maior a escolaridade da mãe, independentemente da renda, menor o número de filhos. Aliás, nos bairros pobres com maior número de mulheres no ensino médio, a queda da taxa de violência foi maior.

Em todo esse movimento, a mulher se destaca. É ela quem mais vai à faculdade. É ela quem está em maior número na pós-graduação. E, para completar, há indicações de que suas notas sejam melhores. Por isso, é cada vez mais chamada aos melhores empregos nos segmentos mais sofisticados da economia. Mães mais educadas ajudam a entender a descoberta feita por um instituto especializado em levantar opinião das camadas mais pobres (o DataPopular): a classe C já compõe a maior parte dos alunos das escolas particulares.

Se tudo isso faz com que o consumidor seja mais exigente, fato sobejamente conhecido das empresas (tanto que vêm tentando aprimorar seus produtos para os mais pobres), por que ele seria menos exigente na hora de "comprar" um candidato?

PS- Achamos virtudes e defeitos nos três principais candidatos e em suas propostas. Vamos ter de suportar, como sempre, bobagens marqueteiras e falsas promessas. Mas não dá para deixar de admitir que essa seja uma combinação rara de candidatos preparados intelectualmente, com experiência política e administrativa, sem que se conheça (pelo menos até agora) qualquer coisa que aponte qualquer falta grave e moral. Talvez, quem sabe, tenhamos a chance de assistir a debates civilizados como o que ocorreu na semana passada em Minas Gerais.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Sobre escrever, aliás

Gosto de citar uma frase do Neruda, poeta chileno, que dizia o que eu disse no post atrás: escrever é fácil, basta iniciar com maiúscula e terminar com um ponto; no meio, é só colocar as ideias. Outro poeta, Drummond, ensinava diferente, dizia que escrever é a arte de cortar palavras. Os dois estão certíssimos.

Escrever é fácil, pensar é que são elas...

Vejam como é simples: uma história banal, com um molho diferente. Como somente o Cony e mais uns tantos por aí conseguem fazer. Este saiu na Folha de domingo, 2/5, sob o título Diabo no espaço:

Consta que um astronauta, numa dessas naves tripuladas que passeiam pelo espaço, enquanto seus colegas, obedecendo aos horários da base de Houston, dormiam em complicados leitos, montava guarda na cabine e viu o Diabo, sem a ajuda de nenhum equipamento, apenas com seus chifres, rabo e pés fendidos, caminhando pelo cosmos, aparentemente procurando alguma coisa.
Sabendo que o Pai das Trevas, desde o início do mundo, domina uma boa tecnologia, o astronauta tentou comunicar-se com ele. Para sua surpresa, o Diabo entrou na faixa sonora da cabine e os dois conversaram. O diálogo está nos arquivos secretos da Nasa, esperando hora propícia para divulgação.
Após considerações gerais sobre os destinos da humanidade, o astronauta quis saber do destino do próprio Diabo, o que ele fazia ali sozinho, aparentemente perdido no espaço, desorientado e deprimido.
Apesar de ser considerado o inventor da mentira, o Diabo falou a verdade. Estava deixando o planeta Terra, onde, desde a revolta dos anjos, antes da criação do mundo, decidira implantar o mal e a desgraça na obra de Deus.
O astronauta quis saber a razão de tão humilhante retirada. Seria uma derrota diante das forças do bem? Nada disso, informou o Diabo. Ele ia embora da Terra porque sua atividade tornara-se supérflua com o advento da internet e do Twitter.
Procurava agora um planeta em estágio tecnológico menos adiantado, sem um tipo de comunicação onde qualquer um pode fazer um estrago bem maior do que ele na comunidade internacional e na vida de cada um. Disse ainda que, com a vulgaridade das informações e comunicações, ao mesmo tempo em que tudo devia ficar melhor, a tendência será complicar cada vez mais a já complicada humanidade.