Este texto foi publicado originalmente na Folha de São Paulo do dia 1 de maio de 1991, data em que o jornalista e escritor mineiro Otto Lara Resende retomava sua coluna, agora na página 2, sob o tradicional titulinho Rio de Janeiro. Sua primeira coluna desta nova fase, portanto, foi publicada justo no dia de seu aniversário, e depois acabou tornando-se título de uma coletânea de suas crônicas - Bom dia para nascer. É um baita exemplo de desenvolvimento de um texto com cadência e ritmo moldados simples e tão somente pela pontuação. Dá gosto ver como é fácil, depois de ter sido tão difícil. Olha ele aí:
Eu não tinha a intenção de dizer logo assim de saída. Mas, já que a Folha me entregou, confesso que sou mesmo antigo. Modelo 1922. O do Centenário da Independência, da Semana de Arte Moderna, do Tenentismo, da fundação do Partido Comunista, da inauguração do radio etc. Suspeito que só eu e o rádio estamos funcionando neste mundo povoado de jovens. Mas juventude tem cura. Eu também já fui jovem. É só esperar.
Bem mais antiga é a origem do Dia do Trabalho. Começou em 1886, com a greve de Chicago. A polícia, claro, compareceu. Resultado: onze mortos – quatro operários e sete policiais. Primeiro e último escore a favor do trabalho. Três anos depois, em 1889, lembrando Chicago, os socialistas de Paris inventaram o Dia do Trabalho.
A data chegou depressa ao Brasil, mais subversiva do que festiva: em 1893. A recente Republica baixou o pau. Vem de longe o axioma: a questão social é uma questão de polícia. Só em 1938 surgiu aqui, oficial, o Dia do Trabalho. Também dia do pelego e do culto à personalidade do ditador. Em 1949, finalmente, a data virou lei. Lei e feriado.
Mês de Maria, mês das noivas, mês de flor-de-maio, maio sugere pureza e céu azul. “Só para meu amor é sempre maio” – cantou o primeiro poeta, Camões. Um dos últimos, Drummond, escreveu uma “Carta aos nascidos em maio”. Viu neles uma predestinação lírica, a que chamou o princípio de maio.
Em maio, e no dia primeiro, nasceram José de Alencar (1829) e Afonso Arinos (1868). Dois escritores, dois verdes. O indianista e o sertanista. Ambos enfática e ecologicamente brasileiros. Não será mera coincidência a data de certidão de nascimento do Brasil. A carta de Pero Vaz de Caminha é de primeiro de maio de 1500. Como o Brasil também é Touro, está difícil de pegá-lo à unha. Mais poeta que escrivão, Caminha foi o primeiro ufanista. Também pudera: em 1500 tudo ainda estava por ser destruído.
Só depois chegaram a inflação, a corrupção e a dívida externa. Há dez anos, em 1981, para celebrar o Dia do Trabalho, houve a explosão do Riocentro. Planejada em segredo, ao contrário da explosão de ontem em São Paulo, vem agora a furo a farsa do inquérito militar. Dá até vergonha de ser brasileiro. Maio, porém, está aí. Primeiro de maio: bom dia para começar. Ou recomeçar.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
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