quarta-feira, 17 de março de 2010

O bagulho melou!

Nada mais definitivo do que esta frase, dita pelo assassino do cartunista Glauco e do filho dele neste último fim de semana. A novidade é que ela se aplica a uma série de situações da nossa existência, para as quais não há antropologia, filosofia, sociologia, epistemologia ou outra logia qualquer que seja suficiente para explicar. Não foi só o bagulho do rapaz, que agora tenta se fazer de doidão, que melou. Imaginem o bagulho da família que ele destruiu. O seu bagulho. O meu. Melaram.

sábado, 13 de março de 2010

Reinaldo de novo (e não é que com razão?!)

O blogueiro Reinaldo Azevedo, golpista da revista Veja, que reproduzi aqui alguns posts abaixo, falando justo sobre a racionalidade humana, volta ao tema por ocasião do assassinato do chargista Glauco e do seu filho Raoni, em Osasco. Mais uma vez, ele trata com propriedade sobre a "maravilha" e o "horror" que convivem dentro de nós. Dá pra pensar.

Tenho a impressão de que aí está a origem da tragédia que colheu a família Villas-Boas. E todos nós devemos lamentar profundamente o ocorrido. Mas sem dourar a pílula; sem dourar o daime. Os místicos advertem, muitas vezes, quando se debatem certos assuntos: “É melhor não mexer com essas coisas”, sugerindo que um mundo espiritual, mágico talvez, possa reservar surpresas terríveis, o famoso “desconhecido”. Católicos tendem a ser racionalistas. Não temo nunca o que vai além do homem, o outro mundo. Temo só o que está NO homem. Ele é a fonte de toda a maravilha e de todo horror. E é bom que as religiões todas, a minha e a de qualquer um, tenham noções dos seus limites. Talvez o daime permita sensações que o Prozac, o Zyban ou Zoloft jamais proporcionarão. Mas será sempre um erro supor que uma infusão, a hóstia consagrada ou o amuleto de um pastor possam tomar o lugar daqueles remédios e do saber que os trouxe à luz. Que Glauco e seu filho descansem em paz. E que os vivos escolham a razão que liberta.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Um pouco de erudição não faz mal a ninguém

Vejam e leiam esta beleza de texto do Marcelo Coelho na Folha de hoje. Não dói nada. Chama-se Livros à solta.

Pelo calendário judaico, rememorou-se na sexta-feira passada o episódio da adoração do Bezerro de Ouro. Furioso com a recaída de seu povo na idolatria, Moisés pegou as tábuas onde estavam inscritos os Dez Mandamentos e arrojou-as ao pé do Monte Sinai. Elas se partiram em pedaços.
Foi necessário talhar duas pedras novamente, para que a lei fosse refeita. Segundo certa tradição, parte das tábuas destruídas foi reaproveitada na fabricação das novas, como numa espécie de quebra-cabeças.
Espero que não me cobrem exatidão textual ou teológica. Reproduzo apenas o que ouvi de um rabino progressista. Mesmo quem não é profeta pode prever o ponto aonde o rabino queria chegar. Ainda que gravadas em pedra, as leis não foram feitas de uma vez por todas. O velho se mistura ao novo, as ordens antigas se fundem às modernas, são reinterpretadas, e evoluem.
Desse ponto de vista, a fúria de Moisés, a adoração do Bezerro de Ouro, e até, quem sabe, o evento trágico da Destruição do Templo (e sua reconstrução posterior) poderiam ser interpretados como etapas necessárias dentro do plano divino. Teriam o sentido de advertir contra os rigores de uma tradição imutável, ortodoxa, avessa à liberdade.
Fiquei pensando se o rabino não estava exagerando no seu progressismo. Afinal, se os Dez Mandamentos tinham sido gravados na pedra por um Deus coruscante de relâmpagos (era essa a minha lembrança do filme de Cecil B. de Mille), a coisa era séria demais para se procurar muita liberdade nas entrelinhas.
Mas o rabino reservava para o final da sua fala a grande surpresa interpretativa. Esclareceu que a palavra em hebraico para "gravar", ou "inscrever", não tem sentido unívoco. Corresponde tanto a "fixar" quanto a "liberar". Desse modo, quem fixa determinadas frases por escrito está ao mesmo tempo libertando-as; autoriza seu voo aos quatro ventos, livra-as do segredo e do silêncio.
Naquela sexta-feira, eu estava na Congregação Israelita Paulista para prestar homenagem ao bibliófilo José Mindlin, que havia morrido no domingo anterior, aos 95 anos.
Estive com José Mindlin poucas vezes, mas foi o bastante (e mesmo suas entrevistas na TV produziam essa impressão) para considerar um bocado incômoda a qualificação de "bibliófilo", que não se pode deixar de empregar aqui. Para mim, bibliófilo é um termo antipático ao extremo: traz uma imagem de exclusivismo, de atração pelo detalhe e pelo fetiche, de gasto supérfluo... Meu rabino interior, ou meu pastor protestante, que sei eu, balança a cabeça e franze o cenho diante da atividade.
José Mindlin era o contrário disso. Acima de tudo, a sua simplicidade pessoal, a sua ausência de vaidade eram absolutamente fora do comum. Se tinha uma biblioteca atulhada de livros raríssimos, isso parecia ter-lhe acontecido quase que circunstancialmente, em consequência de um hobby que perseguia sem voracidade.
O colecionador pode ser um neurótico, um ávido: "Nada faço sem alegria", afirmava entretanto o ex-libris de José Mindlin, tirado dos "Ensaios" de Montaigne. O rabino que falava sobre o Bezerro de Ouro e as tábuas de Moisés não fez nenhuma referência a José Mindlin. Seu elogio à renovação das tradições estava sendo feito, na verdade, a propósito do Dia da Mulher, a ser comemorado na segunda-feira seguinte. O objetivo era questionar a concepção ortodoxa do papel feminino na tradição religiosa.
Mas eu estava com o pensamento em José Mindlin, e a fala do rabino não deixou de se adequar à circunstância. A adoração dos livros raros, das edições inencontráveis, dos manuscritos preciosos... Não haveria algo de culto ao Bezerro de Ouro em tudo isso?
Boa idolatria, contudo, se com isso foi preservada uma coleção de livros que poderiam estar fora do país ou espandongados por aí, sem leitores nem conservação.
E, se "fixar" em hebraico tem o mesmo sentido de "liberar", se as palavras guardadas na pedra também estão soltas para todo mundo ler, a ideia não poderia traduzir melhor o fato de que a biblioteca de Mindlin tenha sido doada ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP, estando disponível a quem quiser. O acervo já está, aliás, na internet: www.brasiliana.usp.br, e vale mais do que uma visita.

terça-feira, 9 de março de 2010

Como diz o Wilson, não mexa com quem está quieto...


Um político, em plena campanha, chegou a uma cidadezinha, subiu em um caixote e começou seu discurso:
-
Compatriotas, companheiros, amigos! Nos encontramos aqui convocados, reunidos ou ajuntados para debater, tratar ou discutir um tópico, tema ou assunto, o qual é transcendente, importante ou de vida ou morte. O tópico, tema ou assunto que hoje nos convoca, reúne ou ajunta é minha postulação, aspiração ou candidatura à Prefeitura deste Município.
De repente, uma pessoa do público pergunta:
- Escute aqui, por que o senhor utiliza sempre três palavras para dizer a mesma coisa?
O candidato responde:
- Veja, meu senhor: tudo é uma questão de retórica. A primeira palavra é para pessoas com nível cultural muito alto, como poetas, escritores, filósofos etc. A segunda é para pessoas com um nível cultural médio como o senhor e a maioria dos que estão aqui. E a terceira palavra é para pessoas que têm um nível cultural muito baixo, pelo chão, digamos, como aquele bêbado ali jogado na esquina.
De imediato, o bêbado se levanta cambaleando e responde:
- Senhor postulante, aspirante ou candidato! (hic) O fato, circunstância ou razão de que me encontre (hic) em um estado etílico, bêbado ou mamado (hic) não implica, significa, ou quer dizer que meu nível (hic) cultural seja ínfimo, baixo ou ralé mesmo (hic). E com todo o respeito, estima ou carinho que o senhor merece (hic) pode ir agrupando, reunindo ou ajuntando (hic) seus pertences,coisas ou bagulhos (hic) e encaminhar-se, dirigir-se ou ir diretinho (hic) à leviana da sua genitora, à mundana de sua mãe biológica ou à puta que o pariu mesmo!