sexta-feira, 30 de abril de 2010

É meu, ou do outro, ou do outro

Este outro texto também não é meu, como não é o do Marcelo Coelho mais aí abaixo. Aliás, nem do Marcelo Coelho é, pois é do José de Alencar, que não é o que a gente tem ouvido falar toda hora por aí por causa ou da vice-presidência ou do câncer com que ele briga. Este texto é do Cony, e saiu na Folha de terça, 27 de abril, sob o título Nunca fica pronto, mas que não era o texto que, como lemos, ficou pronto. E bom.

Não será a primeira nem a última vez. Sempre que vou ao exterior me perguntam por que o Brasil nunca fica pronto. Aparentemente, poderia ficar orgulhoso com a indagação, sinal de que estamos em processo, ou em progresso, não estacionamos no tempo e na história, mudamos sempre para tentar o melhor. Só não mudamos de espaço, porque continuamos grudados na América Latina.
Acontece que este "melhor" nunca vem, e cada mudança pretende tornar as coisas melhores, piorando de estalo a vida de todos nós e as nossas relações com os de fora.
Pode ser que esteja enganado, mas não me lembro de ter declarado o Imposto de Renda pelas mesmas regras em dois exercícios fiscais seguidos. Passei a tarefa ao meu contador, pois a coisa ficou tão complicada e tão mutável que não tenho mais paciência, tempo e vontade de cumprir com o meu dever de contribuinte.
Pago a um escritório de contabilidade, como se fosse um nababo, um empresário de múltiplos rendimentos, quando na realidade não passo de um pobre coitado. Até bem pouco tempo, nem tinha onde cair morto, e só resolvi este macabro problema quando me aturaram na Academia Brasileira de Letras, que dispõe de um mausoléu para abrigar meus desolados ossos.
E, além das regras do Imposto de Renda que mudam a cada ano, muda-se o pacto social de tempos em tempos no que diz respeito às condições de trabalho, aposentadoria, seguros de saúde, critérios de educação e ensino, legislação eleitoral. Só não muda nossa mania nacional de mudanças.
Quando Tancredo Neves foi eleito presidente da República, sugeriram-lhe um slogan de governo: "Mudanças já!" Com uma variante: "Muda, Brasil!". Como sabemos, Tancredo não chegou a tomar posse, mas o Brasil continuou mudando, nem sempre para melhor.

Duas coisinhas bem mal intencionadas

Dependemos todos da mídia, mas nuncanahistóriadestepaís ela foi tão explícita nas suas intenções, nem tão fiel a seus compromissos com o que os americanos chamariam de establishment e ela adoraria por parecer mais chique. Depois de tantas, mas tantas, mas tantas, a mídia ainda não cansou de se superar, como nestas duas: a) resolveu dar uma importância absurdíssima a uma questão relacionada a uma foto do site da candidata do Lula em que aparece a atriz Norma Bengell como se fosse a outra. Vamos considerar que tenha sido proposital a troca, sabe-se lá bem o porquê. No que isso afetaria a vida de qualquer um de nós? Será que poderia mudar tudo e a atriz reivindicar o cargo de presidenta? Não entendi bem. b) Vamos ver se esta eu entendo: a revista americana Time cometeu a loucura de escolher Lula como a ou uma das personalidades mais influentes do mundo. Pra quê? Primeiro a Folha deu destaque que ele era a primeira, o primeiro mais influente; em seguida a revista parece ter dito que não classificara de 1 a 1.000 ou coisa assim. Aí vem o jornal e mancheteia que a revista negava que Lula era influente e tal e coisa. Uma bagunça só, repercutida por todo lado. Hoje cedo, na Jovem Pan, tinha até um cão de guarda desses famosos de quem não guardo o nome que esforçava-se para mostrar que até agora não havia como desqualificar a homenagem da Time. Quanto às anteriores, do Le Monde e do El Pais, ele já havia descoberto que era tudo armado. Ah, bom. Ainda bem. Continuamos vira-latas, portanto.

Envergonhe-se do seu país

Atendendo a meus inúmeros dois pedidos para disponibilizar bons textos por aqui, não resisti a colocar mais este do Marcelo Coelho, que saiu na Folha de quarta, dia 28 de abril, sob o título Manual do bom conservador. Vale a pena a leitura, menos para perder de vez as esperanças nesta nossa terra varonil, que tanto gosta de se passar de muderninha, mas que cultiva e mantém um pensamento muitíssimo próximo deste escrito pelo famoso José de Alencar, não o vice atual, mas o autor clássico cearense, autor de O Guarani, entre tantos outros, inclusive esta loucura descrita abaixo. Envergonhe-se:

Comecei depressa a ler o livro, que é curto, mas perdi a coragem de continuar. Só depois de uma pausa consegui retomá-lo. Foi escrito por José de Alencar nos anos 1867-68 e nunca mais foi republicado.
Reaparece agora em edição de bolso, à venda até em bancas de jornal. E devia ser leitura obrigatória no currículo do secundário, tal a sua capacidade de sintetizar a mentalidade brasileira no que tem de mais conservador, de mais atrasado, de mais duro.
Trata-se das "Cartas a Favor da Escravidão" (editora Hedra), que o célebre romancista endereçou, sob pseudônimo, ao imperador dom Pedro 2º. É sempre fácil, sem dúvida, acusar de insensibilidade e falta de lucidez um texto escrito em outra época.
Mas o que mais importa é ver de que modo o livro de José de Alencar expressa hábitos de pensamento que, até hoje, fazem parte do arsenal reacionário.
Veja, por exemplo, a crítica de Alencar às pressões de países como Inglaterra e França para que acabasse a escravidão por aqui. Como assim?, pergunta Alencar.
Que direito têm as potências estrangeiras de interferir num assunto brasileiro? Filantropia e indignação moral são expedientes hipócritas dos europeus. De resto, não temos culpa pela escravidão.
"Não fomos nós, povos americanos, que importamos o negro da África para derrubar matas e laborar a terra; mas aqueles que hoje nos lançam o apodo e o estigma por causa do trabalho escravo." Alencar continua: "O filantropo europeu, entre a fumaça do bom tabaco de Havana e da taça do excelente café do Brasil, se enleva em suas utopias humanitárias (...) Em sua teoria, a bebida aromática, a especiaria, o açúcar e o delicioso tabaco são o sangue e a medula do escravo.
Não obstante, ele os saboreia". É típico. Nossa inocência está sempre fora de dúvida. Não se pode exigir de um país tão "jovem" que assuma responsabilidade pelo que faz. O fim da escravidão, diz Alencar, virá a seu tempo. Ainda é cedo para querer isso no Brasil. "A raça africana tem apenas três séculos e meio de cativeiro. Qual foi a raça europeia que fez nesse prazo curto a sua educação?"
Sim, porque a escravidão educa o negro. É nessa "escola de trabalho e sofrimento" que um povo "adquire a têmpera necessária para conquistar o seu direito e usar dele".
Cabe considerar também, diz Alencar, que esse processo educativo é mais lento no Brasil do que, por exemplo, no norte dos Estados Unidos. Lá, graças ao espírito industrioso dos anglo-saxões, o negro rapidamente se transformou num "operário ao qual só faltava o espírito do lucro". Mas nós, brasileiros, somos diferentes. "A raça latina é sobretudo artística (...) Outros elementos, que não o cômodo e o útil, impelem o caráter ardente dessa família do gênero humano: ela aspira sobretudo ao belo e ao ideal."
Como diz a ótima introdução do historiador Tâmis Parron, deve-se fazer uma justiça a José de Alencar: ele não compactua com as teses da época sobre a inferioridade racial dos negros. O problema, como sempre, é "de educação", "despreparo". Mantenha-se, portanto, a escravidão. Aliás, de que escravidão exatamente se está falando? "Um espírito de tolerância e generosidade, próprio do caráter brasileiro, desde muito transforma sensivelmente a instituição. Pode-se afirmar que não temos já a verdadeira escravidão, porém um simples usufruto da liberdade."
As relações entre senhor e escravo "adoçaram" por aqui, diz Alencar, repetindo várias vezes o verbo que faria tanto sucesso na obra de Gilberto Freyre. Seja como for, o escravismo é uma "instituição". E "as instituições dos povos são coisa santa, digna de toda veneração. Nenhum utopista, seja ele um gênio, tem o direito de profaná-las".
Senhores utopistas, fiquem avisados. O que se pretende, ilusoriamente, em nome do progresso, dos direitos humanos etc., contradiz a realidade social. Transformá-la, ainda mais tão cedo, é uma insensatez. Há de preferir-se a realidade, é claro. Desde que se esteja do lado certo do chicote.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Preparem o estômago: o Brasil de lá pode mais

Para usar uma expressão da própria Globo, é felomenal o comportamento da emissora em ocasiões particulares. Ontem saiu-se com um filme e jingle comemorativo de seus 45 anos de vida, baseado no tema "A gente quer mais", falando de saúde, educação e outros bichos. Nem é preciso dizer que trata-se de uma derivação do tema da campanha do tucano Serra, que por coincidência também é identificado pelo número 45. Nossa, que coisa... Mais estranho foi o fato de, diante da grita geral de quem percebeu a jogadinha, lá foi a Globo e tirou do ar a campanhazinha. Não é uma graça, não foi muito bem bolada? Se por um lado ela parece ter sido tocada pela mobilização da mídia digital, por outro se usa dela, para onde naturalmente o filme vai, tornando-se disponível para os golpistas de plantão. Por outra: não tem jeito de sairmos deste estado de coisas. As forças ocultas deste país são mesmo muito poderosas...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Controle remoto, de Carnaval

Atendendo a milhares de pedidos de minha mãe e irmãs, publico aqui o conteúdo da penúltima coluna da Revista Cidades, que tenho o prazer de assinar. Ao terminar de ler, saibam que ainda esta semana coloco aqui as notas da edição mais recente, que está por sair.


É CARNAVAL

Primeiro dos muitos carnavais que deveremos ter neste 2010 de Copa do Mundo de Futebol e eleições presidenciais no Brasil, o tríduo momesco oficial não deixou por menos. Foi uma festa como há tempos não se via pela espontaneidade, pela volta dos blocos de rua principalmente na cidade do Rio de Janeiro, mas também pela presença esquisita e anacrônica dos quase-candidatos Dilma Rousseff e José Serra. Ela, numa cena constrangedora com garis na Marquês de Sapucaí (RJ); ele, com um adereço do Galo da Madrugada do Recife, em Pernambuco... Um horror, que dá mostras do que teremos de suportar nos muitos meses que nos restam.

FOI CARNAVAL

Do outro lado dos festejos, números surpreendentes: Salvador, Rio e Recife devem estar contando até agora a lucratividade da profissionalização dos eventos. No Rio, as empresas Positivo, Schincariol, Unimed e até um certo Supermercado Guanabara, entre outros, foram os patrocinadores dos espaços do Sambódromo. Em Salvador, a expectativa era de arrecadar cerca de R$ 15 milhões com anunciantes. No Recife, o bloco mais famoso desfilou pela 1ª vez com patrocínio da Montilla. Hic!

CARNAVAL XADREZINHO

Crueldade das crueldades, o governador do Distrito Federal (DF), José Roberto Arruda, teve de passar o Carnaval na suíte prisional da Polícia Federal (PF), em Brasília. De lá, Arruda seguramente não pôde acompanhar o brilhante desfile da Beija Flor, comemorativo aos 50 anos da Capital brasileira, mas em compensação não deve ter se condoído com as renúncias à própria renúncia de seu vice, Paulo Octávio. Se há um Carnaval para ser esquecido, aí está ele.

BLOCO DOS BLOGS

Não fossem a ‘enchente’ de blogs, twitters e redes sociais, e o Ministério Público (MP), talvez a mídia não deixasse que as coisas tomassem o rumo que tomaram na crise no DF. Exemplo disso está na i-na-cre-di-tá-vel mudança do padrão de cobertura do principal jornal de Brasília, que antes do Carnaval mal e mal escondia as notícias sobre o caso. Com a prisão de Arruda, mudou o discurso e manchetes.

EM TEMPO: “Do que vale olhar sem ver?” Goethe


Ufa, finalmente voltamos ao normal

Já não aguentava mais de ansiedade para ver resolvido o caso do governador Arruda, de Brasília. Finalmente ele foi solto ontem, barba por fazer, descaído, um verdadeiro mártir social. Hoje já disse que sua vida acabara e que vai ter de reconstruir tudo. Pode parecer maldade, mas é só precaução: se houver licitação para a reconstrução, fiquemos todos de olho aberto.