segunda-feira, 18 de abril de 2011
Estou conxigo, xenador (hic!)!
Não deve ter dado para notar, mas este blog pega sistematicamente no pé da mídia. Neste final de semana, vejam só o que foi notícia nacional destacada: o ex-governador Aécio Neves, atual senador por Minas, foi parado numa blitz no balneário mineiro conhecido como Rio de Janeiro, e se recusou a passar pelo bafômetro. Como não poderia deixar de acontecer, nossos representantes do moralismo radical saíram às primeiras páginas para excomungar o danado com aquela ladainha de sempre: exemplo para a sociedade, não pode dar-se o direito de cometer esse tipo de atrocidade. Entre os nossos tefepistas de plantão, eis que surge até o queridinho Juca Kfouri, certa e coincidentemente em nome dos tucanos paulistas, a reverberar sobre o fato, cioso de que algum de seus amigos plumados seja beneficiado pelas próximas decisões políticas que virão por aí. Eu, de minha parte, estou do lado do meu conterrâneo senador, em quem devo votar pra presidente algum dia para, depois, garantir uma vaga de comentarista esportivo num grande conglomerado.
Incorretamente incorreto
Esse Pondé, às segundas, na Folha, tem o dom de me criar uma identificação identitária, seja lá o que isso significa. Deve ser algo próximo de dizer aquilo que mais se aproxima do que a gente pensa. Eu, no caso. Não deve importar lá grande coisa saber o que eu penso, ou que gostaria de pensar, mas é isso que segue aqui, e que tem o título de Pão com manteiga. É muito incorreto, e em algumas coisas não se parece comigo: eu, por exemplo, choro por pouca coisa. Imagino que meus leitores devem ter se espantado: "nossa, é mesmo?". Leiam, então.
Não sou uma pessoa muito sensível. Diria mesmo que sou insensível. Choro pouco. Claro, homens não podem chorar, ainda hoje, mesmo que o contínuo blábláblá que tomou conta do mundo diga o contrário.
Você, leitor, experimente chorar umas duas vezes numa semana, e verá sua namorada desertar.
Se meus amigos não tivessem pena de mim, diriam que sou desumano. À noite, penso em como devo me comportar para que os traços e os gestos do desumano em mim não traiam a farsa.
Mas, por sorte, eu encontro abrigo em meus poucos mestres. Sim, tenho uns poucos. Nietzsche, Freud, Dostoiévski, Pascal, Cioran, Nelson Rodrigues. Aliás, como disse semanas atrás, tenho lido e relido este meu conterrâneo repetidas vezes nos últimos tempos.
No volume "Não Tenho Culpa que a Vida Seja Como Ela É" (ed. Agir), Nelson conta como sofreu com sua coluna "A vida como ela é..." devido à tristeza de suas histórias. Muitos leitores cobravam dele uma "vida mais feliz"." Mas como fazer da vida algo diferente do que ela é?", pergunta a si mesmo. A verdade é que, às vezes, podemos.
Na primeira história do volume (uma introdução a ele), Nelson Rodrigues conta como, certa feita, esperando para ser atendido num pronto-socorro, viu um bebê chorar pus. E ele sentiu vergonha de sua "felicidade problemática" e de sua "pouquíssima alegria".
Graças a Deus, momentos como esses acontecem.
Não sou alguém que tenha consciência social. Aliás, não acredito em ninguém que diga que tenha consciência social e não esteja morto ou miserável por tê-la. "Consciência social" hoje é a essência do marketing social dos bancos. "Consciência social" logo será uma marca de calça jeans, não significa nada, ou está numa prateleira de supermercado ao lado da mostarda.
Certa feita, há algum tempo, ofereceram um trabalho para mim que salvaria o mês. Por uns dois dias, dei aula para professores da "rede".
Sentia a rejeição clara neles com relação à minha missão: uma espécie de educação continuada. Olhavam-me como um enviado pelos inimigos para fingir que os estava ajudando com meu conhecimento "superior".
Não os culpo, às vezes a raiva pode ser a última forma de humanidade em alguém.
Na hora do intervalo, um lanche foi servido. Minha colega e eu ganhamos sanduíches de queijo e presunto com Coca-Cola -ou algo semelhante. Fomos levados a uma sala separada.
Os professores, nossos "alunos", receberam, no meio do pátio, uma bacia com pães com manteiga e algum tipo de suco irreconhecível. Ou algo semelhante.
Não conseguimos comer nosso lanche e ver pela janela os professores comerem aquilo de pé. De minha parte, posso dizer que uma vergonha imensa tomou conta de mim, tirando minha fome. Fomos comer com eles.
Outro dia, parei numa esquina de um bairro de classe média alta, por conta do farol vermelho. Crianças cercaram o carro, como sempre. Não sou do tipo que se deixa contaminar por qualquer tipo de "misericórdia de dois reais" -ainda que reconheça que, para alguém que nada tem, dois reais podem significar um pão com manteiga.
Uma menina de uns 13 anos se aproximou. Ela me pediu um trocado. Seu sorriso era bonito. Decidi dar um trocado pra ela. Enquanto procurava por uma moeda, ela me perguntou: "Como é o nome desse carro mesmo?" (ela mesma disse o nome do carro, antes que eu respondesse). "Ele não é do Brasil, é?" Respondi que não. Então ela perguntou de qual país vinha. "Inglaterra", disse eu.
Depois, ela disse pra mim: "Eu vou pra escola e estudo porque um dia, quando crescer, vou pra universidade e vou trabalhar muito e vou ganhar muito dinheiro, porque quero ter um carro igualzinho a este".
Admiro sua vontade de ter um carro inglês, mesmo que pareça um miserável sonho de consumo para uma miserável menina pobre. Falta esse tipo de "gana" no Brasil, e muita gente espera muito do Estado.
Não contei esses dois fatos para que o leitor pense que finalmente tenho coração. Conto para que eu mesmo acredite que tenho coração, porque o simples fato de ouvi-lo bater pode não significar nada além do que a respiração de uma pedra.
Não sou uma pessoa muito sensível. Diria mesmo que sou insensível. Choro pouco. Claro, homens não podem chorar, ainda hoje, mesmo que o contínuo blábláblá que tomou conta do mundo diga o contrário.
Você, leitor, experimente chorar umas duas vezes numa semana, e verá sua namorada desertar.
Se meus amigos não tivessem pena de mim, diriam que sou desumano. À noite, penso em como devo me comportar para que os traços e os gestos do desumano em mim não traiam a farsa.
Mas, por sorte, eu encontro abrigo em meus poucos mestres. Sim, tenho uns poucos. Nietzsche, Freud, Dostoiévski, Pascal, Cioran, Nelson Rodrigues. Aliás, como disse semanas atrás, tenho lido e relido este meu conterrâneo repetidas vezes nos últimos tempos.
No volume "Não Tenho Culpa que a Vida Seja Como Ela É" (ed. Agir), Nelson conta como sofreu com sua coluna "A vida como ela é..." devido à tristeza de suas histórias. Muitos leitores cobravam dele uma "vida mais feliz"." Mas como fazer da vida algo diferente do que ela é?", pergunta a si mesmo. A verdade é que, às vezes, podemos.
Na primeira história do volume (uma introdução a ele), Nelson Rodrigues conta como, certa feita, esperando para ser atendido num pronto-socorro, viu um bebê chorar pus. E ele sentiu vergonha de sua "felicidade problemática" e de sua "pouquíssima alegria".
Graças a Deus, momentos como esses acontecem.
Não sou alguém que tenha consciência social. Aliás, não acredito em ninguém que diga que tenha consciência social e não esteja morto ou miserável por tê-la. "Consciência social" hoje é a essência do marketing social dos bancos. "Consciência social" logo será uma marca de calça jeans, não significa nada, ou está numa prateleira de supermercado ao lado da mostarda.
Certa feita, há algum tempo, ofereceram um trabalho para mim que salvaria o mês. Por uns dois dias, dei aula para professores da "rede".
Sentia a rejeição clara neles com relação à minha missão: uma espécie de educação continuada. Olhavam-me como um enviado pelos inimigos para fingir que os estava ajudando com meu conhecimento "superior".
Não os culpo, às vezes a raiva pode ser a última forma de humanidade em alguém.
Na hora do intervalo, um lanche foi servido. Minha colega e eu ganhamos sanduíches de queijo e presunto com Coca-Cola -ou algo semelhante. Fomos levados a uma sala separada.
Os professores, nossos "alunos", receberam, no meio do pátio, uma bacia com pães com manteiga e algum tipo de suco irreconhecível. Ou algo semelhante.
Não conseguimos comer nosso lanche e ver pela janela os professores comerem aquilo de pé. De minha parte, posso dizer que uma vergonha imensa tomou conta de mim, tirando minha fome. Fomos comer com eles.
Outro dia, parei numa esquina de um bairro de classe média alta, por conta do farol vermelho. Crianças cercaram o carro, como sempre. Não sou do tipo que se deixa contaminar por qualquer tipo de "misericórdia de dois reais" -ainda que reconheça que, para alguém que nada tem, dois reais podem significar um pão com manteiga.
Uma menina de uns 13 anos se aproximou. Ela me pediu um trocado. Seu sorriso era bonito. Decidi dar um trocado pra ela. Enquanto procurava por uma moeda, ela me perguntou: "Como é o nome desse carro mesmo?" (ela mesma disse o nome do carro, antes que eu respondesse). "Ele não é do Brasil, é?" Respondi que não. Então ela perguntou de qual país vinha. "Inglaterra", disse eu.
Depois, ela disse pra mim: "Eu vou pra escola e estudo porque um dia, quando crescer, vou pra universidade e vou trabalhar muito e vou ganhar muito dinheiro, porque quero ter um carro igualzinho a este".
Admiro sua vontade de ter um carro inglês, mesmo que pareça um miserável sonho de consumo para uma miserável menina pobre. Falta esse tipo de "gana" no Brasil, e muita gente espera muito do Estado.
Não contei esses dois fatos para que o leitor pense que finalmente tenho coração. Conto para que eu mesmo acredite que tenho coração, porque o simples fato de ouvi-lo bater pode não significar nada além do que a respiração de uma pedra.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
A alguns tiros da fama
Ja´vimos e assistimos o assassino do Rio nas mais diversas posições, de frente, de perfil, de costas, fazendo beicinho, de barba, sem barba, em fotos, em vídeos. Por motivos óbvios, ainda não o tivemos fazendo sexo, o que seria o apogeu para a mídia. Pena que o rapaz era meio enrustido (como a mídia mesmo) e acho que morreu de morte matada sem provar a fruta (em todos os sentidos, para a mídia se deliciar). Mesmo assim, acho que não ficaremos mais livres de seu estigma de bicho-papão até o surgimento de um sucessor (o que virá a ser o alcance dos objetivos de marketing da mídia). A propósito disso, ontem na Folha havia uma bela matéria que apontava o pipocar de sites e páginas de apoio e elogios ao ataque do rapaz. Parece brincadeira? Pois foi chamada principal do www.uol.com.br durante uma boa parte do dia.
quinta-feira, 14 de abril de 2011
Publicitariamente publicitando...
O chato de trabalhar e estudar publicidade é que a gente acaba achando que tudo é publicitariamente publicitariado. Vou ser mais claro: publicitário pubicita tudo, então tudo acaba ficando publicitado, entende? Não? É mais ou menos como você está vendo as coisas.
Uma imagem, quantas palavras mesmo?
Deixe eu explicar: o FHC mais uma vez veio em socorro das oposições (ou seja, da mídia) e publicou um novo artigo em que ensina como todos devem proceder diante do povo miserável a quem foi dado o direito de enxergar uma luz no fim do túnel, sem que fosse a do trem vindo em sentido contrário. O Angeli, da Folha, mostra a alegre convivência dos luminares da nossa elite democrática em seus primeiros contatos com os autóctones.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Bom dia, pterodátilo!
Melhor não dizer nada. Leiam o texto do Pondé, na Folha de hoje, e digam... Não, apenas pensem. O título: Nós, os pterodátilos.
Um dia a espécie humana desaparecerá pelo menos tal como a conhecemos. Não, não me converti ao bloco dos maníacos de 2012 ou ao fanatismo verde.
Falo de "ciência". Falo da peça "Pterodátilos", em cartaz no Teatro Faap, com Marco Nanini e maravilhoso elenco. Trata-se de um texto que finca suas bases numa interpretação poética trágica da teoria evolucionista.
Você sabe, caro leitor, que o mundo está dividido entre aqueles ingênuos que acham que mãe é sinônimo de amor e aqueles realistas que sabem que existem mães que não deveriam ser mães. Sim, existem mães predadoras de filhos.
Não existe tal coisa como instinto amoroso materno universal. Algumas mães vivem a maternidade como destruição sistemática de seus filhos. E quase sempre essa anulação afetiva dos filhos vem travestida de "amor".
Mas qual seria a relação entre isso e o darwinismo? Calma, tome mais um gole de café. Coma um pãozinho quentinho. Mas não se esqueça da silhueta e que se você engordar uns quilinhos, você vai perder valor no mercado dos afetos...
O antropólogo americano Ernest Becker, escrevendo uma obra na fronteira entre darwinismo e psicanálise nos anos 60 e 70, já havia apontado para um fato importante com relação à espécie humana: somos a única espécie que além de enfrentar um meio ambiente externo, tem que enfrentar um meio ambiente interno.
Mente, psiquismo, cérebro, alma, tanto faz como você chame, vivemos em dois mundos, um material, físico, externo, e um outro, composto de experiências internas tais como afeto, ideias, reflexões, medos, esperanças. Este é o meio ambiente interno.
Ao longo de nossa trajetória evolucionária de milhares e milhares de anos (é sempre bom lembrar esse pequeno detalhe para essa moçada que acha que a vida começou com a Revolução Francesa ou com Marx e Foucault ou com o "Capital"), nós nos adaptamos a um equilibro sofisticado de pesos e contrapesos afetivos, dependentes de como somos tratados e de como tratamos os outros além, claro, da constante agressão do meio ambiente, este mesmo que os fanáticos verdes acham que é feito de substância angelical.
Um modo comum de se referir a este mundo interno é "emotional bonds" (laços emocionais ou afetivos). Claro que uma relação sofisticada e sutil entre pensamentos e afetos também faz parte deste "mundo". Daí decorre o modo de como reagimos ao meio ambiente social e psicológico.
Dizem os darwinistas, mesmo a vida moral (isso que hoje está na moda chamar de "valores", apesar de que todo mundo mente sobre esses tais "valores") é fruto desses "emotional bonds".
Penso como o dramaturgo romeno Ionesco: é a condição humana que determina a condição social e não o contrário. Acho que a teoria evolucionista captura melhor essa condição humana do que o blábláblá das ciências sociais.
Voltemos à peça. Pterodátilo era um tipo de pássaro pré-histórico. Um tipo de dinossauro com asas. Durou muito tempo. De repente sumiu. Por quê? Ninguém sabe.
Na peça a analogia entre a família protagonista e essas aves extintas é a chave da interpretação poética trágica da evolução humana. Um dia também podemos sumir sem "causas aparentes". Como deixar uma "prova fóssil" do fracasso afetivo da espécie? O fracasso afetivo é invisível, mas palpável como a dor.
A mãe da família (interpretada maravilhosamente por Mariana Lima) é a chave do processo de "extinção" da família-humanidade. Uma mãe predadora dos filhos. Tema datado? Nem tanto. O horror é sempre um clássico, mesmo para os cínicos.
Egoísta, desequilibrada, fútil (esquece o nome da filha o tempo todo), pedófila, infiel, incestuosa com o filho gay (aliás, a temática homossexual surge no enredo de modo dramático, estranho para uma época como a nossa na qual está "proibido pensar" no homossexualismo para além de "é lindo"), promíscua, enfim, um fracasso afetivo que reproduz seu fracasso em "escala evolucionária".
O destino de nossa espécie pode não ser apenas função da devastação de florestas, mas também da devastação do afeto que fica invisível no cotidiano.
Um dia a espécie humana desaparecerá pelo menos tal como a conhecemos. Não, não me converti ao bloco dos maníacos de 2012 ou ao fanatismo verde.
Falo de "ciência". Falo da peça "Pterodátilos", em cartaz no Teatro Faap, com Marco Nanini e maravilhoso elenco. Trata-se de um texto que finca suas bases numa interpretação poética trágica da teoria evolucionista.
Você sabe, caro leitor, que o mundo está dividido entre aqueles ingênuos que acham que mãe é sinônimo de amor e aqueles realistas que sabem que existem mães que não deveriam ser mães. Sim, existem mães predadoras de filhos.
Não existe tal coisa como instinto amoroso materno universal. Algumas mães vivem a maternidade como destruição sistemática de seus filhos. E quase sempre essa anulação afetiva dos filhos vem travestida de "amor".
Mas qual seria a relação entre isso e o darwinismo? Calma, tome mais um gole de café. Coma um pãozinho quentinho. Mas não se esqueça da silhueta e que se você engordar uns quilinhos, você vai perder valor no mercado dos afetos...
O antropólogo americano Ernest Becker, escrevendo uma obra na fronteira entre darwinismo e psicanálise nos anos 60 e 70, já havia apontado para um fato importante com relação à espécie humana: somos a única espécie que além de enfrentar um meio ambiente externo, tem que enfrentar um meio ambiente interno.
Mente, psiquismo, cérebro, alma, tanto faz como você chame, vivemos em dois mundos, um material, físico, externo, e um outro, composto de experiências internas tais como afeto, ideias, reflexões, medos, esperanças. Este é o meio ambiente interno.
Ao longo de nossa trajetória evolucionária de milhares e milhares de anos (é sempre bom lembrar esse pequeno detalhe para essa moçada que acha que a vida começou com a Revolução Francesa ou com Marx e Foucault ou com o "Capital"), nós nos adaptamos a um equilibro sofisticado de pesos e contrapesos afetivos, dependentes de como somos tratados e de como tratamos os outros além, claro, da constante agressão do meio ambiente, este mesmo que os fanáticos verdes acham que é feito de substância angelical.
Um modo comum de se referir a este mundo interno é "emotional bonds" (laços emocionais ou afetivos). Claro que uma relação sofisticada e sutil entre pensamentos e afetos também faz parte deste "mundo". Daí decorre o modo de como reagimos ao meio ambiente social e psicológico.
Dizem os darwinistas, mesmo a vida moral (isso que hoje está na moda chamar de "valores", apesar de que todo mundo mente sobre esses tais "valores") é fruto desses "emotional bonds".
Penso como o dramaturgo romeno Ionesco: é a condição humana que determina a condição social e não o contrário. Acho que a teoria evolucionista captura melhor essa condição humana do que o blábláblá das ciências sociais.
Voltemos à peça. Pterodátilo era um tipo de pássaro pré-histórico. Um tipo de dinossauro com asas. Durou muito tempo. De repente sumiu. Por quê? Ninguém sabe.
Na peça a analogia entre a família protagonista e essas aves extintas é a chave da interpretação poética trágica da evolução humana. Um dia também podemos sumir sem "causas aparentes". Como deixar uma "prova fóssil" do fracasso afetivo da espécie? O fracasso afetivo é invisível, mas palpável como a dor.
A mãe da família (interpretada maravilhosamente por Mariana Lima) é a chave do processo de "extinção" da família-humanidade. Uma mãe predadora dos filhos. Tema datado? Nem tanto. O horror é sempre um clássico, mesmo para os cínicos.
Egoísta, desequilibrada, fútil (esquece o nome da filha o tempo todo), pedófila, infiel, incestuosa com o filho gay (aliás, a temática homossexual surge no enredo de modo dramático, estranho para uma época como a nossa na qual está "proibido pensar" no homossexualismo para além de "é lindo"), promíscua, enfim, um fracasso afetivo que reproduz seu fracasso em "escala evolucionária".
O destino de nossa espécie pode não ser apenas função da devastação de florestas, mas também da devastação do afeto que fica invisível no cotidiano.
sábado, 9 de abril de 2011
Uma cidade extreeeeeeemamente delicada
Deve ser da idade, mas hoje a televisão nos proporcionou mais um destes momentos ternamente esquecíveis da sua história. Houve um jogo de vôlei entre o Cruzeiro, de Minas, e o Futuro, de Araçatuba, em São Paulo. O segundo jogo entre eles pelas semi do campeonato nacional. No primeiro, gatilho do que aconteceu hoje, a torcida de Minas vociferou contra um jogador do time paulista, homossexual, insultando-o o tempo todo com aqueles corinhos típicos de estádios e aglomerações. Hoje, no jogo em São Paulo, o que fez a torcida paulista? Encheu o estádio de bandeiras, balões, camisetas, tudo na cor rosa ou com aquele arco-íris que representa o movimento gay mundial. Se após o jogo de Minas o que se ouviu foi uma grita geral contra os insultos, agora o que indigna é o fato de sermos forçados a acreditar que este excesso de delicadeza da torcida paulista represente de fato alguma preocupação com a defesa dos gays e suas demandas. Mais uma vez estava clara a artificialidade das ações, que mais serviriam para abalar emocionalmente o time do Cruzeiro do que efetivamente demonstrar algum bom mocismo desta moçada toda. Deu certo: o time de Araçatuba ganhou o jogo. Se tivesse perdido, acho que a torcida queimaria aquela bandeirada toda...
quinta-feira, 7 de abril de 2011
O que eu penso que eu acho
Ainda no calor da tragédia que se abateu sobre o Rio e o Brasil, que finalmente estreou no capítulo de atos tresloucados de um maluco qualquer contra crianças indefesas em escolas. Demoramos, mas chegamos perto daqueles comportamentos absurdamente retrógrados da sociedade americana, toda puritana, toda conservadora, toda reprimida, toda capaz destas atrocidades inomináveis. Curiosamente, o que eles podem ensinar de civilidade e desenvolvimento, isto não damos conta de copiar.
No que tange à nossa área de comunicação, me espanta o efeito reflexivo do ato do rapaz com aquilo que ele vê pela TV, somado ao intenso caldo cultural de violência na sociedade. A única coisa que não é cogitada é de se controlar um pouco essa intensidade. Seja através da contenção de cenas de violência e - pior ainda - da tentativa de minorar a vulgarização dos comportamentos sociais. Estes temas de contenção, aliás, são assuntos proibidos nesta nossa sociedade do espetáculo.
No que tange à nossa área de comunicação, me espanta o efeito reflexivo do ato do rapaz com aquilo que ele vê pela TV, somado ao intenso caldo cultural de violência na sociedade. A única coisa que não é cogitada é de se controlar um pouco essa intensidade. Seja através da contenção de cenas de violência e - pior ainda - da tentativa de minorar a vulgarização dos comportamentos sociais. Estes temas de contenção, aliás, são assuntos proibidos nesta nossa sociedade do espetáculo.
quarta-feira, 6 de abril de 2011
Jabor, agora sujeito a crítica
Já viram o filme A suprema felicidade, do Jabor? Não quero chegar ao ponto de merecer um comentário raivoso do autor, mas poucas vezes na vida assisti a uma roteiro tão constrangedor. O Nanini, que ninguém se arrisca nunca a criticar, a mim me parece o retrato passado do filme: o personagem (e o filme) está ultrapassado, fora de lugar, exagerado, carregado de clichês de que muitos imaginávamos estar livres. Deu uma vontade danada de não ter visto.
Quero ver o que vais fazer agora, Fernanda Torres
Outro dia desses reproduzi aqui um texto do Caetano, no Globo, em que ele, todo neguinha, fazia picadinho da polêmica fake da mídia sobre o tal blog da irmã dele, o neguinho Maria Bethânia. Acho certo: os jornais e revistas, de um modo geral, querem mais é criar faketóides a não mais parar, ofendendo a tudo e todos, minando reputações e jogando a isca pro povaréu vir em cima. Pois, dias depois, eis que vem a Fernanda Torres, talvez uma das imagens mais entojadas do que se pode chamar de cultura nacional (parêntese: é impressionante como nada que ela faça transmita a mais remota empatia com o meu gosto médio, sabe-se lá o que isso significa) e publica uma outra defesa da irmã do Caetano na Folha. Foi sábado passado, mas eu não vou reproduzir aqui o artigo. Estava a ponto de concordar com a danada pela primeira vez quando, na segunda, ontem, portanto, uma leitora manda uma carta ao jornal lembrando que o marido da atriz, Andrucha, coincidentemente é o diretor do que seriam os vídeos com declamações de poemas para o blog da cantora. Pra quê? Fernanda responde logo abaixo da carta, resgatando a sua insignificância por pouco perdida. Diz que jamais poderia imaginar que a leitora poderia cogitar que sua defesa desabrida da produção cultural no Brasil não era mais do que uma defesa do pai dos filhos dela. Minha leitura: Fernandinha, em sua insignificância, passa que a leitora é insignificante ao ponto de criticar a sua defesa desinteressada da cultura do país. Deste jeito fica fácil entender porque estamos como estamos com estes nossos artistas.
segunda-feira, 4 de abril de 2011
Tape o nariz para ler algo sobre você
É de doer a leitura de alguns textos do Pondé, as segundas na Folha. Este de hoje trata da nossa sempiterna hipocrisia, coisa que todos temos em muito bons graus, e que o autor joga no ventilador sem a menor cerimônia, e sem dar a impressão de que com ele é diferente. Leiam de nariz tapado. O tíulo do artigo é O parque temático do bem:
Por que existem guerras? Porque gostamos de matar. Resposta pouco simpática, mas definitiva.
Penso como o crítico literário norte-americano Edmund Wilson (século 20): as guerras não são causadas primariamente por razões políticas ou econômicas, estas são apenas o que na filosofia chamamos de "causas ocasionais" (isto é, a oportunidade que aparece para realizarmos as verdadeiras causas primárias de nossas atitudes).
A verdadeira causa primária é biológica: gostamos de matar e pronto.
O governo britânico lançou na mídia imagens de seus aviões bombardeando tanques das forças pró-Gaddafi na Líbia. Imagens como essas dão crédito para o marketing moral e político do Reino Unido: "Olhem como não matamos civis, somos legais".
Perguntado certa feita sobre a morte de civis em combate, o primeiro-ministro de Israel Bibi Netanyahu teria dito "Alguém perguntou aos britânicos quantos civis alemães mataram em seus bombardeios?".
Todo mundo sabe como guerra é, mas hoje em dia querem dizer que guerra pode ser combatida puxando o cabelo do inimigo. O mundo virou um "parque temático do bem".
O marketing é a ciência definitiva do inicio deste século. Se quisermos entender a política e a moral, devemos voltar nossos olhos para o marketing e não mais para a sociologia ou para a ciência política. Estas são ciências caducas para as sociedades contemporâneas.
Desde o século 18 a filosofia política, em grande parte, virou conversa de "teenager". Coisas como "o homem é bom e a sociedade o perverte" é conversa para boi dormir.
Sabe-se desde as cavernas que a vida moral comporta um tanto de hipocrisia, sem a qual seríamos obscenamente amorais. Mas o problema é que, desde Rousseau, a hipocrisia contaminou o mundo da filosofia política. Por quê? Porque ele criou a política para o mundo como parque temático do bem.
É ridículo ver como a classe intelectual, artística, e muitos profissionais da mídia se acham uma reserva moral da sociedade. Hábito nefasto porque corrói o pensamento público desde a raiz. Faz de cada um de nós um marqueteiro de nosso próprio pensamento.
Intelectuais, artistas e jornalistas aderiram a todas as diferentes formas de totalitarismos desde o século 18. Mas não todos, graças a Deus e a coragem de alguns de resistir às glórias de fazer parte da torcida e do rebanho.
Mas a mentira social não é privilégio da elite intelectual de um país. Se René Descartes, filósofo francês do século 17, disse que a razão foi dada a todos os homens em "quantidades iguais", deveríamos acrescentar, mais ao modo de outro filósofo francês do século 17, Blaise Pascal, que o pecado, sim, foi dado a todos em "quantidades iguais".
Aliás, suspeito que a razão não foi dada em "quantidades iguais" a todos os homens, mas, sim, o pecado. Nada disso significa que devemos bater palmas para as guerras. Significa que devemos resistir à praga do modo "teenager" de pensar e dizer a verdade: gostamos de matar.
O argumento de Rousseau segundo o qual temos um "sentido empático" para o sofrimento alheio (isto é, sentimos junto com o outro seu sofrimento e daí agimos em defesa dele) é uma piada de mau gosto. Só reagimos à violência quando ela põe a nós mesmos (ou nossos interesses) em risco.
Sabe-se muito bem que filhos e cônjuges de pessoas que ajudaram vítimas do nazismo (ou qualquer outro sistema de violência) detestavam a atitude moral do "idiota da família" que colocava o cotidiano da família em risco para ajudar estranhos. Sempre que situações como essas se repetirem, a maioria esmagadora das pessoas fará o mesmo. E odiará quem não fizer.
Muita gente sai gritando quando isto é dito, movida apenas, em segredo, pela sagrada mentira social que sustenta a imagem pública de nós mesmos.
Genocídio é um horror, mas é a constante da humanidade e não a exceção. Preste atenção: quantos períodos históricos existiram sem algum genocídio? Nenhum ou talvez alguns minutos.
Cada um de nós está sentado sobre ossos. Ganhamos tecnologia, dinheiro, ciência e espaço com guerras. O gosto de sangue é o motor da história.
Por que existem guerras? Porque gostamos de matar. Resposta pouco simpática, mas definitiva.
Penso como o crítico literário norte-americano Edmund Wilson (século 20): as guerras não são causadas primariamente por razões políticas ou econômicas, estas são apenas o que na filosofia chamamos de "causas ocasionais" (isto é, a oportunidade que aparece para realizarmos as verdadeiras causas primárias de nossas atitudes).
A verdadeira causa primária é biológica: gostamos de matar e pronto.
O governo britânico lançou na mídia imagens de seus aviões bombardeando tanques das forças pró-Gaddafi na Líbia. Imagens como essas dão crédito para o marketing moral e político do Reino Unido: "Olhem como não matamos civis, somos legais".
Perguntado certa feita sobre a morte de civis em combate, o primeiro-ministro de Israel Bibi Netanyahu teria dito "Alguém perguntou aos britânicos quantos civis alemães mataram em seus bombardeios?".
Todo mundo sabe como guerra é, mas hoje em dia querem dizer que guerra pode ser combatida puxando o cabelo do inimigo. O mundo virou um "parque temático do bem".
O marketing é a ciência definitiva do inicio deste século. Se quisermos entender a política e a moral, devemos voltar nossos olhos para o marketing e não mais para a sociologia ou para a ciência política. Estas são ciências caducas para as sociedades contemporâneas.
Desde o século 18 a filosofia política, em grande parte, virou conversa de "teenager". Coisas como "o homem é bom e a sociedade o perverte" é conversa para boi dormir.
Sabe-se desde as cavernas que a vida moral comporta um tanto de hipocrisia, sem a qual seríamos obscenamente amorais. Mas o problema é que, desde Rousseau, a hipocrisia contaminou o mundo da filosofia política. Por quê? Porque ele criou a política para o mundo como parque temático do bem.
É ridículo ver como a classe intelectual, artística, e muitos profissionais da mídia se acham uma reserva moral da sociedade. Hábito nefasto porque corrói o pensamento público desde a raiz. Faz de cada um de nós um marqueteiro de nosso próprio pensamento.
Intelectuais, artistas e jornalistas aderiram a todas as diferentes formas de totalitarismos desde o século 18. Mas não todos, graças a Deus e a coragem de alguns de resistir às glórias de fazer parte da torcida e do rebanho.
Mas a mentira social não é privilégio da elite intelectual de um país. Se René Descartes, filósofo francês do século 17, disse que a razão foi dada a todos os homens em "quantidades iguais", deveríamos acrescentar, mais ao modo de outro filósofo francês do século 17, Blaise Pascal, que o pecado, sim, foi dado a todos em "quantidades iguais".
Aliás, suspeito que a razão não foi dada em "quantidades iguais" a todos os homens, mas, sim, o pecado. Nada disso significa que devemos bater palmas para as guerras. Significa que devemos resistir à praga do modo "teenager" de pensar e dizer a verdade: gostamos de matar.
O argumento de Rousseau segundo o qual temos um "sentido empático" para o sofrimento alheio (isto é, sentimos junto com o outro seu sofrimento e daí agimos em defesa dele) é uma piada de mau gosto. Só reagimos à violência quando ela põe a nós mesmos (ou nossos interesses) em risco.
Sabe-se muito bem que filhos e cônjuges de pessoas que ajudaram vítimas do nazismo (ou qualquer outro sistema de violência) detestavam a atitude moral do "idiota da família" que colocava o cotidiano da família em risco para ajudar estranhos. Sempre que situações como essas se repetirem, a maioria esmagadora das pessoas fará o mesmo. E odiará quem não fizer.
Muita gente sai gritando quando isto é dito, movida apenas, em segredo, pela sagrada mentira social que sustenta a imagem pública de nós mesmos.
Genocídio é um horror, mas é a constante da humanidade e não a exceção. Preste atenção: quantos períodos históricos existiram sem algum genocídio? Nenhum ou talvez alguns minutos.
Cada um de nós está sentado sobre ossos. Ganhamos tecnologia, dinheiro, ciência e espaço com guerras. O gosto de sangue é o motor da história.
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