domingo, 17 de outubro de 2010
Por onde andei que nem eu sei?
quarta-feira, 9 de junho de 2010
A mesmíssima mesmice
Alvíssaras! Perdemos mais uma...
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Vá ser inferior assim lá no Irã
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Olha, deixe eu dizer o que eu penso...
Por isso, perdemos totalmente a sensibilidade pelo direito do outro: cada um de nós procura, desesperadamente, seus direitos, sua felicidade, seu poder de consumo, seu prazer, sem reconhecer o outro. E, claro, isso gera intolerância, discriminação, ameaça. O pacto social parece ter sido rompido e não tomamos nenhuma medida para reverter esse processo. As mídias, por exemplo, comentam cenas de incivilidade ocorrida entre pessoas que ocupam posição de destaque.
Virou moda e ganhou visibilidade dizer tudo o que se pensa, agredir para se defender, fazer pouco do outro. Pessoas que ocupam cargos de chefia expressam seu descontentamento com seus funcionários aos berros e assim por diante.
Ao mesmo tempo, crescem entre os mais novos problemas como falta de limites, indisciplina e falta de respeito pelo outro. O fenômeno conhecido por "bullying" -intimidação física ou psicológica- assusta crianças e adolescentes e preocupa pais e professores. Nas escolas do mundo todo, o clima é de "falta de respeito"generalizado, mesmo que essa expressão seja usada de modo impreciso.
Mas o fato é que as crianças e os adolescentes praticam o conceito de cidadania do qual se apropriaram pela observação do mundo adulto. Em uma conversa com crianças que frequentam o ensino fundamental, ouvi relatos que me deixaram muito pensativa.
Um garoto disse que achava que os alunos maiores intimidavam os menores porque a escola e os pais ensinam que se deve respeitar os mais velhos. Veja você: o conceito de mais velho deixou de significar adulto ou velho e passou a ser usado como de mais idade. Assim, revelou o garoto, uma criança de um ou dois anos a mais que a outra se considera um "mais velho" e, assim, pode explorar os de menos idade.
Podemos ampliar esse conceito apreendido pelas crianças e, além da idade, pensar em poder, por exemplo. Isso nos faz pensar que o "bullying" ocorre principalmente, mas não apenas, porque crianças e adolescentes desenvolvem relações assimétricas entre eles, por causa da idade, do tamanho, da força e do poder.
Talvez seja em casa e na escola que pais e professores possam e devam repensar e reinventar o conceito de cidadania.Mas também temos nós, os adultos, o dever de adotar boas maneiras na convivência social. Afinal, praticar boas maneiras e ensinar aos mais novos o mesmo nada mais é do que reconhecer o outro e buscar formas de boa convivência com ele. Disso depende a sobrevivência da vida social porque somos todos interdependentes.
terça-feira, 11 de maio de 2010
Dunga, papai
Dá cá a minha bolsa
De hora em hora, Deus piora
No programa "Liberdade de Expressão", que mantemos diariamente na CBN Heródoto Barbeiro, Arthur Xexéo, Viviane Mosé e eu, temos uma pauta bem variada. E dia desses comentávamos a bolação de um industrial, que mandou instalar, nos banheiros de suas fábricas, um circuito interno de TV para fiscalizar quantas vezes seus funcionários vão até lá, o que fazem e quanto tempo demoram ali. Na minha vez de falar, lembrei que em 1936, há mais de 70 anos, portanto, Chaplin fez um de seus filmes mais importantes, "Tempos Modernos". Após meses desempregado, Carlitos é operário de uma fábrica, onde passa oito horas diárias apertando parafusos que correm numa esteira de produção. A longo prazo, ele terminará numa clínica para loucos.Para aliviar o estresse, logo no primeiro dia, vai ao banheiro lavar o rosto. Na parede principal do lavabo, surge um telão com a cara do dono da fábrica perguntando o que ele está fazendo ali, por que não está no seu posto de trabalho. Carlitos dá as desculpas que pode, mas o dono ordena que ele regresse imediatamente aos parafusos e comunica que o tempo gasto no banheiro será descontado de seu salário. Quando Chaplin fez o filme, a tecnologia da época estava longe de permitir que um "Big Brother" qualquer invadisse a privacidade de quem quer que seja num banheiro ou em qualquer outro lugar de sua vida pessoal. Hoje é cada vez mais possível essa vigilância "full time" em cima dos cidadãos, de todos nós. Certamente, aqui e no resto do mundo, serão instalados equipamentos como os previstos por Chaplin, o que há 70 anos era apenas uma piada e que hoje ameaça um tipo de opressão que se tornará mais geral e mais anti-humana. De hora em hora, Deus piora.
O que não será possível com a educação?
Na cidade de São Paulo, 65% dos habitantes com mais de 16 anos têm, no mínimo, o diploma de ensino médio; no país inteiro, 55% deles vivem a mesma situação. Esses dados, que fazem parte da base com que o Datafolha elabora, neste ano, a amostragem de suas pesquisas eleitorais, ajudam a entender, pelo menos em parte, por que os eleitores, especialmente os mais pobres, estão mais exigentes ao "comprar" produtos e candidatos. Os três principais candidatos à Presidência, Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva, parecem encaixar-se no perfil de um eleitorado com maior escolaridade. Pelo menos até agora, eles demonstram um discurso com fortes toques de racionalidade, sem apelos messiânicos. Foi o que se viu no encontro que tiveram na semana passada, em Minas Gerais, onde participaram de um debate. Em São Paulo, os dois principais candidatos, Geraldo Alckmin e Aloizio Mercadante, também têm esse perfil mais técnico. Seria apenas coincidência?
Ainda estamos começando a descobrir como essa combinação de aumento de renda com evolução da escolaridade e aprendizado da democracia vem mudando a cabeça do brasileiro. Não param de aparecer surpresas. Um grupo de grandes empresas, entre as quais a Unilever e a PepsiCo, patrocinou um estudo sobre como o brasileiro percebe sua condição social. Mais da metade dos mais pobres (pertencentes às classes D e E) não se vê como pobre. Imagina-se pertencente à classe média baixa. Quanto maior a escolaridade, menor a percepção da pessoa de que faz parte do grupo mais pobre. Até porque parte desse grupo incorporou em sua vida símbolos do que se imagina como riqueza: um carro, por exemplo, ou um filho entrando na faculdade, mesmo que graças a alguma ajuda pública ou por causa de mensalidades baratas. O que mais cresce, no Brasil, são cursos a distância: não são poucos os alunos que fazem as aulas da LAN house mais próxima de suas casas. Há relatos de problemas nas universidades porque alunos mais velhos, casados e com filhos, não toleram a dispersão e a bagunça dos colegas mais jovens, interessados nas baladas e sem saber direito o que querem da vida.
Suspeito até que esteja aí um dos segredos do prestígio de Lula. Contrariando a expectativa do senso comum, como detectou o Datafolha, a área mais bem avaliada do governo dele não são os programas de distribuição de renda (Bolsa Família). Está na frente (ligeiramente, mas na frente) a educação, sem o governo gerir escolas. Minha suspeita é que o ProUni tenha uma enorme carga simbólica na vida desses milhões de brasileiros que olham o ensino superior como uma espécie de porta da esperança. Na semana passada, o governo federal apresentou um crédito educativo ainda mais facilitado. Para quem se dispuser a dar aulas em escola pública, a dívida será encerrada. Misturam-se desde promessas de expansão técnica até a universalização da banda larga. Colhi pesquisas que indicam que, entre os mais pobres, banda larga é sinônimo de mais informação, e mais informação é sinônimo de chance de emprego.
Na semana passada, foram divulgados os mais recentes dados sobre a taxa de natalidade em São Paulo. O que se vê é uma situação inimaginável até pouco tempo atrás: em breve, a população da capital vai encolher em termos absolutos. Quanto maior a escolaridade da mãe, independentemente da renda, menor o número de filhos. Aliás, nos bairros pobres com maior número de mulheres no ensino médio, a queda da taxa de violência foi maior.
Em todo esse movimento, a mulher se destaca. É ela quem mais vai à faculdade. É ela quem está em maior número na pós-graduação. E, para completar, há indicações de que suas notas sejam melhores. Por isso, é cada vez mais chamada aos melhores empregos nos segmentos mais sofisticados da economia. Mães mais educadas ajudam a entender a descoberta feita por um instituto especializado em levantar opinião das camadas mais pobres (o DataPopular): a classe C já compõe a maior parte dos alunos das escolas particulares.
Se tudo isso faz com que o consumidor seja mais exigente, fato sobejamente conhecido das empresas (tanto que vêm tentando aprimorar seus produtos para os mais pobres), por que ele seria menos exigente na hora de "comprar" um candidato?
PS- Achamos virtudes e defeitos nos três principais candidatos e em suas propostas. Vamos ter de suportar, como sempre, bobagens marqueteiras e falsas promessas. Mas não dá para deixar de admitir que essa seja uma combinação rara de candidatos preparados intelectualmente, com experiência política e administrativa, sem que se conheça (pelo menos até agora) qualquer coisa que aponte qualquer falta grave e moral. Talvez, quem sabe, tenhamos a chance de assistir a debates civilizados como o que ocorreu na semana passada em Minas Gerais.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
Sobre escrever, aliás
Escrever é fácil, pensar é que são elas...
Sabendo que o Pai das Trevas, desde o início do mundo, domina uma boa tecnologia, o astronauta tentou comunicar-se com ele. Para sua surpresa, o Diabo entrou na faixa sonora da cabine e os dois conversaram. O diálogo está nos arquivos secretos da Nasa, esperando hora propícia para divulgação.
Após considerações gerais sobre os destinos da humanidade, o astronauta quis saber do destino do próprio Diabo, o que ele fazia ali sozinho, aparentemente perdido no espaço, desorientado e deprimido.
Apesar de ser considerado o inventor da mentira, o Diabo falou a verdade. Estava deixando o planeta Terra, onde, desde a revolta dos anjos, antes da criação do mundo, decidira implantar o mal e a desgraça na obra de Deus.
O astronauta quis saber a razão de tão humilhante retirada. Seria uma derrota diante das forças do bem? Nada disso, informou o Diabo. Ele ia embora da Terra porque sua atividade tornara-se supérflua com o advento da internet e do Twitter.
Procurava agora um planeta em estágio tecnológico menos adiantado, sem um tipo de comunicação onde qualquer um pode fazer um estrago bem maior do que ele na comunidade internacional e na vida de cada um. Disse ainda que, com a vulgaridade das informações e comunicações, ao mesmo tempo em que tudo devia ficar melhor, a tendência será complicar cada vez mais a já complicada humanidade.
sexta-feira, 30 de abril de 2010
É meu, ou do outro, ou do outro
Acontece que este "melhor" nunca vem, e cada mudança pretende tornar as coisas melhores, piorando de estalo a vida de todos nós e as nossas relações com os de fora.
Pode ser que esteja enganado, mas não me lembro de ter declarado o Imposto de Renda pelas mesmas regras em dois exercícios fiscais seguidos. Passei a tarefa ao meu contador, pois a coisa ficou tão complicada e tão mutável que não tenho mais paciência, tempo e vontade de cumprir com o meu dever de contribuinte.
Pago a um escritório de contabilidade, como se fosse um nababo, um empresário de múltiplos rendimentos, quando na realidade não passo de um pobre coitado. Até bem pouco tempo, nem tinha onde cair morto, e só resolvi este macabro problema quando me aturaram na Academia Brasileira de Letras, que dispõe de um mausoléu para abrigar meus desolados ossos.
E, além das regras do Imposto de Renda que mudam a cada ano, muda-se o pacto social de tempos em tempos no que diz respeito às condições de trabalho, aposentadoria, seguros de saúde, critérios de educação e ensino, legislação eleitoral. Só não muda nossa mania nacional de mudanças.
Quando Tancredo Neves foi eleito presidente da República, sugeriram-lhe um slogan de governo: "Mudanças já!" Com uma variante: "Muda, Brasil!". Como sabemos, Tancredo não chegou a tomar posse, mas o Brasil continuou mudando, nem sempre para melhor.
Duas coisinhas bem mal intencionadas
Envergonhe-se do seu país
Trata-se das "Cartas a Favor da Escravidão" (editora Hedra), que o célebre romancista endereçou, sob pseudônimo, ao imperador dom Pedro 2º. É sempre fácil, sem dúvida, acusar de insensibilidade e falta de lucidez um texto escrito em outra época.
Mas o que mais importa é ver de que modo o livro de José de Alencar expressa hábitos de pensamento que, até hoje, fazem parte do arsenal reacionário.
Veja, por exemplo, a crítica de Alencar às pressões de países como Inglaterra e França para que acabasse a escravidão por aqui. Como assim?, pergunta Alencar.
Que direito têm as potências estrangeiras de interferir num assunto brasileiro? Filantropia e indignação moral são expedientes hipócritas dos europeus. De resto, não temos culpa pela escravidão.
"Não fomos nós, povos americanos, que importamos o negro da África para derrubar matas e laborar a terra; mas aqueles que hoje nos lançam o apodo e o estigma por causa do trabalho escravo." Alencar continua: "O filantropo europeu, entre a fumaça do bom tabaco de Havana e da taça do excelente café do Brasil, se enleva em suas utopias humanitárias (...) Em sua teoria, a bebida aromática, a especiaria, o açúcar e o delicioso tabaco são o sangue e a medula do escravo.
Não obstante, ele os saboreia". É típico. Nossa inocência está sempre fora de dúvida. Não se pode exigir de um país tão "jovem" que assuma responsabilidade pelo que faz. O fim da escravidão, diz Alencar, virá a seu tempo. Ainda é cedo para querer isso no Brasil. "A raça africana tem apenas três séculos e meio de cativeiro. Qual foi a raça europeia que fez nesse prazo curto a sua educação?"
Sim, porque a escravidão educa o negro. É nessa "escola de trabalho e sofrimento" que um povo "adquire a têmpera necessária para conquistar o seu direito e usar dele".
Cabe considerar também, diz Alencar, que esse processo educativo é mais lento no Brasil do que, por exemplo, no norte dos Estados Unidos. Lá, graças ao espírito industrioso dos anglo-saxões, o negro rapidamente se transformou num "operário ao qual só faltava o espírito do lucro". Mas nós, brasileiros, somos diferentes. "A raça latina é sobretudo artística (...) Outros elementos, que não o cômodo e o útil, impelem o caráter ardente dessa família do gênero humano: ela aspira sobretudo ao belo e ao ideal."
Como diz a ótima introdução do historiador Tâmis Parron, deve-se fazer uma justiça a José de Alencar: ele não compactua com as teses da época sobre a inferioridade racial dos negros. O problema, como sempre, é "de educação", "despreparo". Mantenha-se, portanto, a escravidão. Aliás, de que escravidão exatamente se está falando? "Um espírito de tolerância e generosidade, próprio do caráter brasileiro, desde muito transforma sensivelmente a instituição. Pode-se afirmar que não temos já a verdadeira escravidão, porém um simples usufruto da liberdade."
As relações entre senhor e escravo "adoçaram" por aqui, diz Alencar, repetindo várias vezes o verbo que faria tanto sucesso na obra de Gilberto Freyre. Seja como for, o escravismo é uma "instituição". E "as instituições dos povos são coisa santa, digna de toda veneração. Nenhum utopista, seja ele um gênio, tem o direito de profaná-las".
Senhores utopistas, fiquem avisados. O que se pretende, ilusoriamente, em nome do progresso, dos direitos humanos etc., contradiz a realidade social. Transformá-la, ainda mais tão cedo, é uma insensatez. Há de preferir-se a realidade, é claro. Desde que se esteja do lado certo do chicote.
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Preparem o estômago: o Brasil de lá pode mais
terça-feira, 13 de abril de 2010
Controle remoto, de Carnaval
Atendendo a milhares de pedidos de minha mãe e irmãs, publico aqui o conteúdo da penúltima coluna da Revista Cidades, que tenho o prazer de assinar. Ao terminar de ler, saibam que ainda esta semana coloco aqui as notas da edição mais recente, que está por sair.
É CARNAVAL
Primeiro dos muitos carnavais que deveremos ter neste 2010 de Copa do Mundo de Futebol e eleições presidenciais no Brasil, o tríduo momesco oficial não deixou por menos. Foi uma festa como há tempos não se via pela espontaneidade, pela volta dos blocos de rua principalmente na cidade do Rio de Janeiro, mas também pela presença esquisita e anacrônica dos quase-candidatos Dilma Rousseff e José Serra. Ela, numa cena constrangedora com garis na Marquês de Sapucaí (RJ); ele, com um adereço do Galo da Madrugada do Recife, em Pernambuco... Um horror, que dá mostras do que teremos de suportar nos muitos meses que nos restam.
FOI CARNAVAL
Do outro lado dos festejos, números surpreendentes: Salvador, Rio e Recife devem estar contando até agora a lucratividade da profissionalização dos eventos. No Rio, as empresas Positivo, Schincariol, Unimed e até um certo Supermercado Guanabara, entre outros, foram os patrocinadores dos espaços do Sambódromo. Em Salvador, a expectativa era de arrecadar cerca de R$ 15 milhões com anunciantes. No Recife, o bloco mais famoso desfilou pela 1ª vez com patrocínio da Montilla. Hic!
CARNAVAL XADREZINHO
Crueldade das crueldades, o governador do Distrito Federal (DF), José Roberto Arruda, teve de passar o Carnaval na suíte prisional da Polícia Federal (PF), em Brasília. De lá, Arruda seguramente não pôde acompanhar o brilhante desfile da Beija Flor, comemorativo aos 50 anos da Capital brasileira, mas em compensação não deve ter se condoído com as renúncias à própria renúncia de seu vice, Paulo Octávio. Se há um Carnaval para ser esquecido, aí está ele.
BLOCO DOS BLOGS
Não fossem a ‘enchente’ de blogs, twitters e redes sociais, e o Ministério Público (MP), talvez a mídia não deixasse que as coisas tomassem o rumo que tomaram na crise no DF. Exemplo disso está na i-na-cre-di-tá-vel mudança do padrão de cobertura do principal jornal de Brasília, que antes do Carnaval mal e mal escondia as notícias sobre o caso. Com a prisão de Arruda, mudou o discurso e manchetes.
EM TEMPO: “Do que vale olhar sem ver?” Goethe
Ufa, finalmente voltamos ao normal
quarta-feira, 17 de março de 2010
O bagulho melou!
sábado, 13 de março de 2010
Reinaldo de novo (e não é que com razão?!)
O blogueiro Reinaldo Azevedo, golpista da revista Veja, que reproduzi aqui alguns posts abaixo, falando justo sobre a racionalidade humana, volta ao tema por ocasião do assassinato do chargista Glauco e do seu filho Raoni, em Osasco. Mais uma vez, ele trata com propriedade sobre a "maravilha" e o "horror" que convivem dentro de nós. Dá pra pensar.
Tenho a impressão de que aí está a origem da tragédia que colheu a família Villas-Boas. E todos nós devemos lamentar profundamente o ocorrido. Mas sem dourar a pílula; sem dourar o daime. Os místicos advertem, muitas vezes, quando se debatem certos assuntos: “É melhor não mexer com essas coisas”, sugerindo que um mundo espiritual, mágico talvez, possa reservar surpresas terríveis, o famoso “desconhecido”. Católicos tendem a ser racionalistas. Não temo nunca o que vai além do homem, o outro mundo. Temo só o que está NO homem. Ele é a fonte de toda a maravilha e de todo horror. E é bom que as religiões todas, a minha e a de qualquer um, tenham noções dos seus limites. Talvez o daime permita sensações que o Prozac, o Zyban ou Zoloft jamais proporcionarão. Mas será sempre um erro supor que uma infusão, a hóstia consagrada ou o amuleto de um pastor possam tomar o lugar daqueles remédios e do saber que os trouxe à luz. Que Glauco e seu filho descansem em paz. E que os vivos escolham a razão que liberta.
quarta-feira, 10 de março de 2010
Um pouco de erudição não faz mal a ninguém
Foi necessário talhar duas pedras novamente, para que a lei fosse refeita. Segundo certa tradição, parte das tábuas destruídas foi reaproveitada na fabricação das novas, como numa espécie de quebra-cabeças.
Espero que não me cobrem exatidão textual ou teológica. Reproduzo apenas o que ouvi de um rabino progressista. Mesmo quem não é profeta pode prever o ponto aonde o rabino queria chegar. Ainda que gravadas em pedra, as leis não foram feitas de uma vez por todas. O velho se mistura ao novo, as ordens antigas se fundem às modernas, são reinterpretadas, e evoluem.
Desse ponto de vista, a fúria de Moisés, a adoração do Bezerro de Ouro, e até, quem sabe, o evento trágico da Destruição do Templo (e sua reconstrução posterior) poderiam ser interpretados como etapas necessárias dentro do plano divino. Teriam o sentido de advertir contra os rigores de uma tradição imutável, ortodoxa, avessa à liberdade.
Fiquei pensando se o rabino não estava exagerando no seu progressismo. Afinal, se os Dez Mandamentos tinham sido gravados na pedra por um Deus coruscante de relâmpagos (era essa a minha lembrança do filme de Cecil B. de Mille), a coisa era séria demais para se procurar muita liberdade nas entrelinhas.
Mas o rabino reservava para o final da sua fala a grande surpresa interpretativa. Esclareceu que a palavra em hebraico para "gravar", ou "inscrever", não tem sentido unívoco. Corresponde tanto a "fixar" quanto a "liberar". Desse modo, quem fixa determinadas frases por escrito está ao mesmo tempo libertando-as; autoriza seu voo aos quatro ventos, livra-as do segredo e do silêncio.
Naquela sexta-feira, eu estava na Congregação Israelita Paulista para prestar homenagem ao bibliófilo José Mindlin, que havia morrido no domingo anterior, aos 95 anos.
Estive com José Mindlin poucas vezes, mas foi o bastante (e mesmo suas entrevistas na TV produziam essa impressão) para considerar um bocado incômoda a qualificação de "bibliófilo", que não se pode deixar de empregar aqui. Para mim, bibliófilo é um termo antipático ao extremo: traz uma imagem de exclusivismo, de atração pelo detalhe e pelo fetiche, de gasto supérfluo... Meu rabino interior, ou meu pastor protestante, que sei eu, balança a cabeça e franze o cenho diante da atividade.
José Mindlin era o contrário disso. Acima de tudo, a sua simplicidade pessoal, a sua ausência de vaidade eram absolutamente fora do comum. Se tinha uma biblioteca atulhada de livros raríssimos, isso parecia ter-lhe acontecido quase que circunstancialmente, em consequência de um hobby que perseguia sem voracidade.
O colecionador pode ser um neurótico, um ávido: "Nada faço sem alegria", afirmava entretanto o ex-libris de José Mindlin, tirado dos "Ensaios" de Montaigne. O rabino que falava sobre o Bezerro de Ouro e as tábuas de Moisés não fez nenhuma referência a José Mindlin. Seu elogio à renovação das tradições estava sendo feito, na verdade, a propósito do Dia da Mulher, a ser comemorado na segunda-feira seguinte. O objetivo era questionar a concepção ortodoxa do papel feminino na tradição religiosa.
Mas eu estava com o pensamento em José Mindlin, e a fala do rabino não deixou de se adequar à circunstância. A adoração dos livros raros, das edições inencontráveis, dos manuscritos preciosos... Não haveria algo de culto ao Bezerro de Ouro em tudo isso?
Boa idolatria, contudo, se com isso foi preservada uma coleção de livros que poderiam estar fora do país ou espandongados por aí, sem leitores nem conservação.
E, se "fixar" em hebraico tem o mesmo sentido de "liberar", se as palavras guardadas na pedra também estão soltas para todo mundo ler, a ideia não poderia traduzir melhor o fato de que a biblioteca de Mindlin tenha sido doada ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP, estando disponível a quem quiser. O acervo já está, aliás, na internet: www.brasiliana.usp.br, e vale mais do que uma visita.
terça-feira, 9 de março de 2010
Como diz o Wilson, não mexa com quem está quieto...
Um político, em plena campanha, chegou a uma cidadezinha, subiu em um caixote e começou seu discurso:
- Compatriotas, companheiros, amigos! Nos encontramos aqui convocados, reunidos ou ajuntados para debater, tratar ou discutir um tópico, tema ou assunto, o qual é transcendente, importante ou de vida ou morte. O tópico, tema ou assunto que hoje nos convoca, reúne ou ajunta é minha postulação, aspiração ou candidatura à Prefeitura deste Município.
De repente, uma pessoa do público pergunta:
- Escute aqui, por que o senhor utiliza sempre três palavras para dizer a mesma coisa?
O candidato responde:
- Veja, meu senhor: tudo é uma questão de retórica. A primeira palavra é para pessoas com nível cultural muito alto, como poetas, escritores, filósofos etc. A segunda é para pessoas com um nível cultural médio como o senhor e a maioria dos que estão aqui. E a terceira palavra é para pessoas que têm um nível cultural muito baixo, pelo chão, digamos, como aquele bêbado ali jogado na esquina.
De imediato, o bêbado se levanta cambaleando e responde:
- Senhor postulante, aspirante ou candidato! (hic) O fato, circunstância ou razão de que me encontre (hic) em um estado etílico, bêbado ou mamado (hic) não implica, significa, ou quer dizer que meu nível (hic) cultural seja ínfimo, baixo ou ralé mesmo (hic). E com todo o respeito, estima ou carinho que o senhor merece (hic) pode ir agrupando, reunindo ou ajuntando (hic) seus pertences,coisas ou bagulhos (hic) e encaminhar-se, dirigir-se ou ir diretinho (hic) à leviana da sua genitora, à mundana de sua mãe biológica ou à puta que o pariu mesmo!
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
O negócio é sexo etc. e sexo.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Onde anda o Gilmar?
Acho que não vou, viu?
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Mataram a Dilma!
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Que Reinaldo é este?
Depois de ter recomendado um texto do Sarney, que escreve muito bem, arrisco uma outra indicação, esta mais estranha: um texto do Reinaldo Azevedo, colunista e golpista que tem um blog e escreve na Veja. Escreve brilhantemente, diga-se de passagem. Não fosse atender a patrões tão mesquinhos e radicais, seria ainda melhor. No final de 2008, preocupadíssimo com os rumos de Darfur, ele escreveu um artigo inquietante, em que discutia a fé, a existência de Deus e as iniquidades humanas. Vale a pena ler. O título, apropriadamente, era Que Deus é este?
Boa parte das nações e dos homens celebra, nesta semana, o nascimento do Cristo, e uma vez mais nos perguntamos, e o faremos eternidade afora: qual é o lugar de Deus num mundo de iniqüidades? Até quando há de permitir tamanha luta entre o Bem e o Mal? Até Ele fechou os olhos diante das vítimas do nazismo em Auschwitz, dos soviéticos que pereceram no Gulag, da fome dizimando milhões depois da revolução chinesa? E hoje, "Senhor Deus dos Desgraçados" (como O chamou o poeta Castro Alves)? Darfur, a África Subsaariana, o Oriente Médio... Então não vê o triunfo do horror, da morte e da fúria? Por que um Deus inerme, se é mesmo Deus, diante das "espectrais procissões de braços estendidos", como escreveu Carlos Drummond de Andrade? Que Deus é este, olímpico também diante dos indivíduos? Olhemos a tristeza dos becos escuros e sujos do mundo, onde um homem acaba de fechar os olhos pela última vez, levando estampada na retina a imagem de seu sonho – pequenino e, ainda assim, frustrado...
Até quando haveremos de honrá-Lo com nossa dor, com nossas chagas, com nosso sofrimento? Até quando pessoas miseráveis, anônimas, rejeitadas até pela morte, murcharão aos poucos na sua insignificância, fazendo o inventário de suas pequenas solidões, colecionando tudo o que não têm – e o que é pior: nem se revoltam? Se Ele realmente nos criou, por que nos fez essa coisa tão lastimável como espécie e como espécimes? Se ao menos tirasse de nosso coração os anseios, os desejos, para que aprendêssemos a ser pedra, a ser árvore, a ser bicho entre bichos... Mas nem isso. Somos uns macacos pelados, plenos de fúrias e delicadezas (e estas nos doem mais do que aquelas), a vagar com a cruz nos ombros e a memória em carne viva. Se a nossa alma é mesmo imortal, por que lamentamos tanto a morte, como observou o latino Lucrécio (séc. I a.C.)? Se há um Deus, por que Ele não nos dá tudo aquilo que um mundo sem Deus nos sonega?
Evito, leitor, tratar aqui do mistério da fé, que poderia, sim, responder a algumas perplexidades. O que me interessa neste texto é a mensagem do Cristo como uma ética entre pessoas, povos e até religiões. Não pretendo, com isso, solapar a dimensão mística do Salvador, mas dar relevo a sua dimensão humana. O cristianismo é o inequívoco fundador do humanismo moderno porque é o criador do homem universal, de quem nada se exigia de prévio para reivindicar a condição de filho de Deus e irmão dos demais homens. É o fundamento religioso do que, no mundo laico, é o princípio da democracia contemporânea. Não por acaso, a chamada "civilização ocidental" é entendida, nos seus valores essenciais, como "democrática" e "cristã". Isso tudo é história, não gosto ou crença.
Falo das iniqüidades porque é com elas que se costuma contrastar a eventual existência de uma ordem divina. Segundo essa perspectiva, se o Mal subsiste, então não pode haver um Deus, que só seria compatível com o Bem perpétuo. Ocorre que isso tiraria dos nossos ombros o peso das escolhas, a responsabilidade do discernimento, a necessidade de uma ética. Nesse caso, o homem só seria viável se isolado no Paraíso, imerso numa natureza necessariamente benfazeja e generosa. O cristianismo – assim como as demais religiões (e também a ciência) – existe é no mundo das imperfeições, no mundo dos homens. Contestar a existência de Deus segundo esses termos corresponde a acenar para uma felicidade perpétua só possível num tempo mítico. E as religiões são histórias encarnadas, humanas.
Em Auschwitz, no Gulag ou em Darfur, vê-se, sem dúvida, a dimensão trágica da liberdade: a escolha do Mal. E isso quer dizer, sim, a renúncia a Deus. Mas também se assiste à dramática renúncia ao homem. Esperavam talvez que se dissesse aqui que o Mal Absoluto decorre da deposição da Cruz em favor de alguma outra crença ou convicção. A piedade cristã certamente se ausentou de todos esses palcos da barbárie. Mas, com ela, entrou em falência a Razão, humana e salvadora.
Fé e Razão são categorias opostas, mas nasceram ao mesmo tempo e de um mesmo esforço: entender o mundo, estabelecendo uma hierarquia de valores que possa ser por todos interiorizada. As cenas das mulheres de Darfur fugindo com suas crianças, empurradas pela barbárie, remetem, é inevitável, à fuga de Maria e do Menino Jesus para o Egito, retratada por Caravaggio (1571-1610) na imagem que ilustra este texto – o carpinteiro José segura a partitura para o anjo. As representações dessa passagem, pouco importam pintor ou escola, nunca são tristes (esta vem até com música), ainda que se conheça o desfecho da história. É o cuidado materno, símbolo praticamente universal do amor de salvação, sobrepondo-se à violência irracional que o persegue.
Nazismo, comunismo, tribalismos contemporâneos tornados ideologias... São movimentos, cada um praticando o horror a seu próprio modo, que destruíram e que destroem, sem dúvida, a autoridade divina. Mas nenhum deles triunfou sem a destruição, também, da autoridade humana, subvertendo os valores da Razão (afinal, acreditamos que ela busca o Bem) e, para os cristãos, a santidade da vida. Todas as irrupções revolucionárias destruíram os valores que as animaram, como Saturno engolindo os próprios filhos. O progresso está com os que conservam o mundo, reformando-o.
Pedem-me que prove que um mundo com Deus é melhor do que um mundo sem Deus? Se nos pedissem, observou Chesterton (1874-1936), pensador católico inglês, para provar que a civilização é melhor do que a selvageria, olharíamos ao redor um tanto desesperados e conseguiríamos, no máximo, ser estupidamente parciais e reducionistas: "Ah, na civilização, há livros, estantes, computador..." Querem ver? "Prove, articulista, que o estado de direito, que segue os ritos processuais, é mais justo do que os tribunais populares." E haveria uma grande chance de a civilização do estado de direito parecer mais ineficiente, mais fraca, do que a barbárie do tribunal popular. Há casos em que é mais fácil exibir cabeças do que provas. A convicção plena, às vezes, é um tanto desamparada.
Este artigo não trata do mistério da fé, mas da força da esperança, que é o cerne da mensagem cristã, como queria o apóstolo Paulo: "É na esperança que somos salvos". O que ganha quem se esforça para roubá-la do homem, fale em nome da Razão, da Natureza ou de algum outro Ente maiúsculo qualquer? E trato da esperança nos dois sentidos possíveis da palavra: o que tenta despertar os homens para a fraternidade universal, com todas as suas implicações morais, e o que acena para a vida eterna. O ladrão de esperanças não leva nada que lhe seja útil e ainda nos torna mais pobres de anseios.
O cristianismo já foi acusado de morbidamente triste, avesso à felicidade e ao prazer de viver, e também de ópio das massas, cobrindo a realidade com o véu de uma fantasia conformista, que as impedia de ver a verdade. Ao pregar o perdão, dizem, é filosofia da tibieza; ao reafirmar a autoridade divina, acusam, é autoritário. Pouco afeito à subversão da autoridade humana, apontam seu servilismo; ao acenar com o reino de Deus, sua ambição desmedida. Em meio a tantos opostos, subsiste como uma promessa, mas também como disciplina vivida, que não foge à luta.
Precisamos do Cristo não porque os homens se esquecem de ter fé, mas porque, com freqüência, eles abandonam a Razão e cedem ao horror. Sem essa certeza, Darfur – a guerra do forte contra o indefeso, da criança contra o fuzil, do bruto contra a mulher –, uma tragédia que o mundo ignora, seria ainda mais insuportável.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Entre um pulo e outro, leia Sarney... Ele mesmo
De novo na Folha: o título é Outros carnavais
Eu, que estou em pleno vigor da juventude -e todos os dias os jornais, ao citarem o meu nome, revelam aos leitores esta minha fraqueza-, fico todo irritado quando ouço essa história de "bom era no meu tempo", "ah! que saudades do meu tempo" e outros lamentos saudosistas. Bom mesmo é o tempo de hoje.
O tempo bom do meu tempo era o tempo daquele tempo, que não conhecia o tempo futuro. Eliot, o grande e sempre louvado poeta, formulou bem esse tema, dizendo mais ou menos que o futuro é o presente, o presente é passado e presente, sendo passado e futuro tudo presente. Difícil de entender, mas bonito de ler, no texto original ou na belíssima tradução de Ivan Junqueira.
Carnaval então é momento dessas baboseiras, os velhos reclamando das escolas de samba, feéricas, deslumbrantes, despejando alegria pela avenida, comparando-as com as batalhas de confete e o entrudo, que era a imbecil brincadeira de um sujar o outro. Outros reclamam do cheiro de urina dos foliões apertados pelas latas de cerveja, contrapondo ao cheiro bom do lança perfume, na minha terra chamado de Rodó -a marca mais popular e representativa dos antigos carnavais.
Leio que um baiano do Campo Grande, em Salvador, onde a folia é a mais densa daquelas bandas, disse que já estava esperando o cheiro do "descarrego carnavalesco" e que passaria esses dias limpando as calçadas e tapando o nariz. Bobagem e hipocrisia, porque ele é um privilegiado, pois não precisa sair de casa para ouvir a bela Ivete Sangalo e os trios elétricos, herança de Dodô e Osmar.
Ora aqueles tempos dos carnavais antigos! Não se via esse desfile puro e esplendoroso das mulatas, loiras, morenas sem vestidos, seios à mostra, além das partes que têm vida própria, pululam e que são vistas quando passam popozudas. Tudo belo, a frente e o atrás. Bendito Carnaval do presente, quando ninguém tem de temer nada nesse jogo de Adão e Eva, porque o nosso Ministério da Saúde já se encarregou de distribuir camisinhas, com direito a lubrificantes e antissépticos. Ora bolas para o passado, com aquelas fantasias cafonas, cheias de babados, chapéus de crepom colorido e colares havaianos que, suados, manchavam as roupas.
E o mais difícil: homens para um lado e mulheres para outro, só olhares e desejos. Quando muito um aperto de mão acochado e um sarrafo leve de corpo com corpo.
Que diferença louca entre blocos antigos, de canções nostálgicas, e o gingado delirante do "dono desta cidade sou eu", do axé, em que Daniela Mercury nos leva ao delírio pecaminoso.
Bom Carnaval! E o do Maranhão não fica atrás com o Bicho Terra e as lindas negras que vieram do Daomé há 400 anos e guardam a sensual alegria africana. Haja gosto para brincar.
Entre um pulo e outro, leia Cony
Certo, existem alguns temperos específicos, como os desfiles de blocos e escolas no Carnaval, a ceia de Natal e o hábito de trocar presentes, a canjica ao leite e a bacalhoada das Sextas-Feiras Santas -e tremo ao reduzir a data sagrada dos meus amigos cristãos a um bródio regado a azeite e azeitonas pretas. Mas reagir quem há de? Assim é, por culpa de todos nós, autoridade e povo, que as festas são mais coletivas do que festas em si mesmas.
Mal acabamos o Natal, entramos no Carnaval. Há agitação na rua, todos procuram se programar, numa época de computação quem não está programado está por fora ou, pior, está morto, fora da seiva vital que nos mantém à tona. Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu.
Jornais, revistas, TVs, todos ensinam dicas, sugerem festas e alternativas -o lazer massificado, consumível, torna-se quase uma obrigação, uma chatice, um dever que precisamos cumprir.
Para falar a verdade, nem sequer tenho saudades dos Carnavais de antanho. Com irrelevantes diferenças disso ou daquilo, eram a mesma coisa. Bem verdade que consegui juntar no meu saco alguns Carnavais memoráveis, solitários, gostosos, em que a folia foi exercida lucidamente pela carne pagã e destacada.
Nada de ajuntamento, pois não creio que mais de três pessoas juntas consigam algum momento importante -a não ser no futebol e nas guerras.
Não sei se já contei, mas aí vai outra vez. Ali pelos anos 70, numa sexta-feira anterior ao Carnaval, peguei meu carro e minha namorada para esticar os quatro dias que tinha pela frente. Rodei todos os motéis da Barra, não havia vaga, tudo cheio. A noite estava vazia, não havia ninguém nas ruas, metade da população estava em cima da outra metade.
Parecia que o Rio, o Brasil inteiro haviam marcado encontro nos hotéis de alta rotatividade. Vaga -um garçom conhecido, que se chamava Evaristo, me garantiu- só pela madrugada. Graças ao Evaristo consegui um apartamento com banheira jacuzzi, aluguei-o para os três dias e quatro noites, até a Quarta-Feira de Cinzas. O motel ficava à beira da praia, enfim, um programa decente, honesto e gostoso. No dia seguinte, sábado de Carnaval, ao acordar para ir à praia, vi meu carro sozinho no imenso pátio de estacionamento. Não dei importância. Era o único hóspede, os outros foram todos para o que chamam de "folia".
Imaginei que, à noite, o pátio estaria novamente cheio, com novos (ou os mesmos) fregueses. Passou o sábado, passaram o domingo, a segunda e a terça que dizem gorda -e meu carro continuou como ocupante solitário do enorme pátio. Hóspede único do hotel, a princípio estranhei. Mas como? Não era Carnaval? Onde estavam todos eles?
Ao contrário do poema de Manuel Bandeira, não estavam amando profundamente. Estavam por aí, fazendo alguma coisa qualquer, mas não profundamente. Bem, aproveitei aqueles dias brancos e solitários, amei muito e bastante, creio que a namorada aprovou o Carnaval laborioso e integral que praticamos.
Na quarta-feira, quando voltava para a cidade a fim de assumir a faina humana, ia saindo do estacionamento e esbarro com um velho fusca que vinha chegando. Dentro dele, o casal não parecia deslumbrado: apenas cansado, como se a festa tivesse esgotado todas as energias que eu havia gasto nos três dias anteriores.
Nem tomei conhecimento dos desfiles, da escola de samba vencedora, das cinzas que estavam sendo distribuídas nas igrejas. O pátio do motel voltou a ficar cheio de carros cujos donos precisavam dormir profundamente. Evoé Momo!
Entre um pulo e outro, leia Ruy Castro
De certa forma, esse gesto se repetiria nos bilhões de crianças que, desde então, fariam o mesmo na parede da sala, só que usando um lápis. Pois matéria de Talita Bedinelli numa Folha de janeiro me alertou para algo em que eu não tinha pensado: até quando nossas crianças, com suas mochilas equipadas com notebooks, celulares e toda espécie de badulaques eletrônicos, continuarão escrevendo... à mão?
A ideia de que tal prática seja abolida do cardápio de funções humanas é de assustar -mas, pela primeira vez, palpável. De fato, com um notebook sempre disponível, para que perder tempo e espaço com cadernos, esferográficas, lápis, borrachas e, pior ainda, com dicionários, gramáticas e livros de texto?
Ou talvez não haja motivo para preocupação. Eu próprio, em tenra idade, comecei a escrever a máquina quase ao mesmo tempo em que à mão. Isso não me livrou de usar caneta-tinteiro, mata-borrão, apontador de lápis, tabuada, régua e outros apetrechos, então obrigatórios na vida escolar. Mas só porque eu não podia levar a máquina de escrever para a sala de aula.
A história da escrita tem passagens lindas. Uma delas, narrada a mim por uma amiga, conta como, por volta de 1855, os barqueiros que singravam o Sena de madrugada, nos arredores de Rouen, se guiavam por uma luz de vela que, noite após noite, durante seis anos, saía da janela de uma casinha à margem do rio. Eles não podiam saber, mas era Flaubert escrevendo -à mão, é claro- "Madame Bovary".
Dá o pé, Lôro!
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Amanhã tudo será como antes
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Mais uma observação absolutamente dispensável
Eu só sei que eu não quero nem saber
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Enquanto isso, na União Soviética...
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
"É o Gabriel, seu filho, pai".
Paz na terra, por Cony, na Folha de 22/1
Lá dentro, na igreja, há calor e beatas. Alguém reza em voz alta, mas as buzinas dos carros soam mais fortes.
-Milagre?
-Não. Espero alguém.
Ele faz cara compreensiva, embora compreendendo outra coisa.
-Como vai essa ovelha tresmalhada?
-Já não sou tresmalhado, nem sequer sou ovelha.
-Isso depende de você. Olha, mais dia menos dia, você não aguenta mais.
Mudo de assunto:
-E o papa?
Há um brilho comovido nos olhos do padre.
-Você gosta dele?
A pergunta parece sem sentido, era claro, não tinha nada contra o papa.
-Pois olha, é um homem admirável.
E começa a falar. Do papa, descemos aos cardeais, depois aos bispos. Deu-me notícias que o nosso dom Jorge Marcos de Oliveira continuava o mesmo "Turcão" que conhecemos no seminário. Isso significa muita coisa de ternura e admiração.
"Turcão" era o camarada mais inteligente do seminário e do mundo. Bispo em Santo André, já falecido, tornou-se notável pelo seu zelo e pela sua competência pastoral. Vítima do noticiário dos jornais, dom Jorge muitas vezes foi apresentado como "moderno" demais, amigo demais dos trabalhadores. Esse "moderno" é justamente o "Turcão" do seminário.
Mas a sineta toca lá dentro e o padre entra.
-Vou falar sobre o mês de Maria. Na saída, voltamos a conversar.
-Posso ouvir?
-Não. Não aconselho. Vá esperar seu alguém.
O padre entra e eu vou atrás. Sento no banco mais escuro e triste. Beatas por todos os lados, lá no canto um homem idoso e curvado tosse com estrondo.
Acendem-se as luzes e o padre entra.
-Meus amigos, ia falar hoje sobre o mês de Maria. Mas encontrei lá fora um amigo de infância e mocidade, companheiro de ideal e de antigas lutas, hoje do outro lado da trincheira. Falar sobre o mês de maio seria ocioso para ele. Para vocês, outros padres falarão melhor do que eu sobre esse assunto. Pois falarei sobre um tema que tanto pode servir a vocês quanto a ele e a mim. A paz.
Não a paz dos guerreiros, a paz dos políticos, dos financistas. A paz paz, pacificamente instalada no coração e na angústia do homem. Lembrou a encíclica "Paz na Terra", não era qualquer paz que interessava para o homem.
E lembrou dois trechos do Evangelho. Quando Cristo diz: "Eu não vim trazer a paz, mas a guerra"; e quando, já ao fim de seus dias na Terra, faz sua grande oferta: "Eu vos dou a minha Paz".
Lá no fundo sinto o bruto orgulho de ter um amigo falando bonito e bem. Revivo algumas cenas de nossa infância, nossos estudos, o dia em que, juntos, começamos a estudar filosofia, quando apostamos tirar dez em ontologia. Toda a ternura antiga e não sabida vem à tona.
A prédica acaba, as beatas se ajoelham para a missa e eu saio trôpego, sem saber se devo ficar ou se devo partir imediatamente, infinitamente, em busca dos caminhos que escolhi sem ter preferido.
Lá fora, o vento que o Atlântico sopra vem por dentro dos túneis que engolem massas compactas de carros, as luzes vermelhas piscando histericamente na noite que desce sobre a cidade atrofiada de ossos e músculos cansados.
Na igreja, começa a missa, o mesmo rito antigo que Joyce colocou no pórtico de seu "Ulisses" e eu coloquei no pórtico de minha adolescência frustrada: "Subirei ao Altar de Deus". Que Deus? Que Altar? Há trincheiras ou, feitas as contas, não estamos todos do mesmo lado atirando contra o nada?
A chuva para. O mundo está lavado e um hálito fresco sobe do chão. Perto do carro, minha filha me espera. Meu carro será em breve um ponto histérico a mais, a ser devorado pela goela insaciável dos túneis e da vida. Olho para trás, o padre inicia o ofertório e se oferta. Paz.
Minha filha estende a mão e me chama para o chão, que nos traga sem ofertas, com lágrimas que começam a brotar em silêncio, secas no fundo e na treva.
A Madonna leu meu blog
Merchandising de sete cabeças
“Quem se aventura a tentar entender um pouco o que significa o tal de merchandising acaba muitas vezes deixando de entender outros termos que pensava que sabia”. Foi esta a definição nem um pouco definitiva que certa vez ouviu-se em uma sala de aula. Mas, no fim das contas, o bicho não é tão feio quanto parece.
Se formos verificar em algum compêndio de marketing, lá vai estar que merchandising vem do inglês (até aqui, nada de novo) e quer dizer comercialização, promoção, entre outras coisas do gênero. Isto segundo o bom e velho dicionário Oxford Escolar, onde conta-se que estamos falando de uma técnica de marketing no ponto-de-venda que consiste em proporcionar uma melhor visualização do produto ou da marca. Motivo? Para instigar o consumidor a se motivar por aquela marca ou produto na hora da compra.
“Sim, entendi”, alguém poderá dizer, pensando que entendeu. Mas, se a questão do merchandising está ligada a alguma ação realizada no ponto-de-venda, que história é aquela de realizar merchandising em novelas, bigbrothers etc., como todos já devem ter ouvido falar ou observado nos letreiros finais de tais programas. Pelo que se sabe, a tela da televisão não é exatamente o ponto-de-venda de uma marca ou produto.
Esta é uma outra história, e tem a ver com o fato de os veículos de comunicação, eminentemente os canais de TV, terem convencionado chamar tais ações, de inserção daqueles tais produtos ou marcas dentro de uma atração especifica, seja novela ou qualquer outra faixa, exatamente de merchandising. Apenas isso.
Os americanos, que têm certeza de que sabem tudo, têm outro nome para isso: eles chamam esta inserção de tie-in, o que tem muito mais sentido. Não há uma tradução literal da expressão, mas é o equivalente a envolver o produto ou marca dentro do programa tal. Simples, não?
Mas voltemos ao merchandising do ponto-de-venda. Neste, algumas multimarcas do mundo da moda vêm procurando dar uma reestruturada no visual. Mudou a temporada, estas marcas ganham novas decorações, cada grife com seus temas. Cada uma destacando-se por sua originalidade e pioneirismo. Aí estão grifes como Alexander McQueen, Salvatore Ferragamo e Yves Saint Laurent com seus novos visuais seguindo as tendências do verão.
Uma sugestão: por que não usar a natureza no visual de sua loja?! O verde continua em alta nesta onda infinda de sustentabilidade, e algumas marcas apostam em diferentes interpretações da natureza, como vasos de plantas, às vezes em maior destaque do que o próprio vestuário ou em tapetes verdes dando um aspecto de grama e reforçado com imagens de árvores ao fundo. Fica a dica.
Com um olhar mais extravagante, sofás coloridos preenchem os espaços com manequins de madeira e rostos caricaturados, tudo para fazer contraste com os espaços já citados. Há também a proposta clean, com destaque para a arquitetura e os móveis, além de elementos convencionais e luminárias arrojadas. A marca Comme des Garçons investiu num ambiente variado para várias coleções, manequins personalizados e estruturas de metal dispostos para mostrar as próximas tendências.
Como se pode ver, o apelo do merchandising não é deve ser considerado apenas como uma ferramenta de marketing lá do Hemisfério Norte. A tendência das lojas, seja de que área for, é de provocar interação com o cliente, com muita criatividade, uso e abuso de ideias.
E do resto de 2010, o que será?
Vá lá… É verdade que 2010 já vai caminhando para seus onze meses finais, mas sempre é tempo de fazer umas previsõezinhas despretensiosas.
Sejamos genéricos. 2010 será um ano de surpresas, como aliás todos os anos, tudo bem imprevisível. Quem sabe uma nova “gripe”, talvez uma nova “crise”, por que não uma “crise da gripe” ou uma “gripe da crise”. Se o ano começou com algumas catástrofes de monta, seja em Angra ou no Haiti, nada pode nos dar certeza de que outras não estarão por vir. Mau sinal, mas pura verdade.
O que não é incerto é que 2010 será ano de Copa do Mundo e de eleições presidenciais. Portanto, ano de política e futebol, o que muitas vezes em situações passadas já foi utilizado de forma mesclada, provocando confusões propositadas, em que não se sabia muito bem se a questão era votar ou torcer por um time ou um candidato.
A propósito da política, pela primeira vez depois de vinte anos teremos uma eleição sem um candidato de nome Lula. Parece pouco, mas é uma dado mais relevante do que também não termos um candidato chamado Eneás, que só não vai participar por já ter partido desta para melhor. Outro dado é que, fato também inédito, haverá uma mulher candidata com chances de vitória. Não parece pouco, e não é mesmo.
Do lado dos eleitores, eis que eles também terão mudanças bastante importantes neste ano. Exemplo? Mais ferramentas para medir a força dos candidatos, como os sites, as redes sociais e tudo que derivar e que estiver relacionado com as tais novas mídias, parcialmente liberadas pela legislação brasileira para que os chamados marqueteiros desenvolvam estratégias extremamente especificas para uma determinada ação, para um determinado público. O que se pode prever é algo parecido com a última campanha para a presidência dos Estados Unidos, com a eleição de Barack Obama mobilizando simpatizantes da internet com iniciativas de divulgação e de arrecadação de fundos para a campanha.
Alguns dos nossos partidos já estão correndo atrás dessas tendências e começam a montar suas fórmulas. Probabilíssimos candidatos à presidência, como José Serra e Marina Silva, já tentam seduzir internautas. Para não ficar atrás, o PT de Dilma Rousseff bola e elabora soluções de uma melhor comunicação na grande rede.
Outro tema quente (quentíssimo, aliás) é o do aquecimento global. Aquele mesmo em que se perderam grandes oportunidades na reunião do COP15 em Copenhagen. Mesmo que não tenha sido fechado acordo algum entre as nações, a Conferência ao menos proporcionou o aparecimento de uma opinião pública mais bem posicionada sobre o tema. Espera-se que as conseqüências para 2010 sejam de maior cobrança da população mundial.
E no esporte? 2010 promete para os brazucas… No vôlei, como de hábito, continuaremos fortes; no handball, promessas; no atletismo, o desafio é superar os péssimos resultados do ano passado; na natação, o contrário, a questão é manter os resultados incríveis de 2009; na Fórmula 1, quem sabe o novo Senna?, sobrinho do outro; por fim, no futebol, Copa do Mundo na África do Sul, onde poderíamos ao menos torcer para que nosso pessoal farreie menos um tiquinho, ajeite menos as meias e, de preferência, chute no canto onde o goleiro adversário não estiver. Será uma boa preparação para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 que vêm logo ali.
São eventos que vão movimentar profissionais das mais diversas áreas com equipes de infraestrutura, jornalistas, publicidade e marketing que vão provocar certamente uma época ‘áurea’ para o marketing esportivo. Mas estas são previsões para daqui a mais alguns anos.